O governo acaba de enviar a MP 889, com três alterações no funcionamento do FGTS.
Cria uma nova modalidade de saque, conhecida por saque-aniversário. O trabalhador poderá retirar todo ano, no mês do aniversário, uma parcela —de 50% para saldo abaixo de R$ 500 até 5% e um adicional de R$ 2.400 para saldo acima de R$ 20 mil— e deixará de sacar quando houver demissão imotivada. Nesse caso, sacará a multa rescisória de 40% sobre o saldo da conta vinculada àquele contrato de trabalho.
A segunda alteração é poder transformar esses saques futuros em um empréstimo em consignação.
E a terceira é reverter aos trabalhadores todo o retorno dos investimentos do FGTS. Hoje, somente 50% são revertidos.
A MP cria uma forma adicional de saque e uma nova forma de empréstimo consignado. É positiva. Aumentará o valor de um contrato de trabalho formal ao trabalhador, reduzirá a rotatividade no trabalho e gerará fonte adicional de crédito.
A existência de um seguro específico para o desemprego reduz a importância do FGTS nessa função.
A flexibilização ao saque tem sido uma tendência recorrente nas últimas décadas. Basta checar as adições ao artigo 20º da lei 9.036, de 1990. Por exemplo, ser soropositivo para HIV, precisar colocar uma prótese óssea ou passar por alguma catástrofe natural, entre outras razões, permitem que o trabalhador levante os recursos do FGTS.
A flexibilização é fruto de uma particular economia política. As contas vinculadas são muito mal remuneradas. Sempre abaixo do mercado e, em alguns anos, com remuneração real negativa.
Os recursos do fundo são empregados para financiar obras de infraestrutura, principalmente saneamento básico e habitação popular.
O Congresso Nacional não consegue alterar a forma de remuneração do FGTS para garantir ao trabalhador uma remuneração justa, pois não consegue encontrar outra forma de financiar habitação popular e saneamento básico e, portanto, acaba criando possibilidades de saque.
Essa economia política tem reduzido muito o patrimônio do FGTS. E aí segue o lado ruim da atual MP e das anteriores.
O FGTS está perdendo o caráter de ser uma fonte de poupança do país. É importante termos uma fonte de poupança de longo prazo para o país, pois ela contribuirá para perenizar a queda dos juros a que temos assistido nos últimos anos.
Assim, a minha preferência seria uma reformulação do FGTS na direção contrária à da MP 889. O FGTS seria instituído como o sistema público de previdência complementar. Os recursos seriam acumulados, e a taxa de retorno seria a taxa dos títulos do Tesouro Nacional.
As possibilidades de saques seriam mínimas —essencialmente aquisição da casa própria, que também é uma forma de poupança para a velhice—, e os recursos iriam se acumulando.
Não haveria custo de gestão —pode-se usar a ferramenta do Tesouro Direto—, e o Tesouro teria uma fonte segura de financiamento, o que facilitaria em muito a gestão da dívida pública.
Todo o objetivo do ministro Paulo Guedes em criar um sistema previdenciário de capitalização seria satisfeito, e há boas razões para que criemos um sistema compulsório de previdência complementar.
De quebra, os juros da economia cairiam ainda mais, barateando as obras de infraestrutura e habitação popular.
Se a sociedade entende que deve subsidiar a habitação popular, o que faz todo o sentido, o subsídio deve sair do Orçamento do Tesouro, votado pelo Congresso, e não da poupança compulsória do trabalhador.
Fonte: “Folha de S. Paulo”