No Brasil existe uma enorme demanda reprimida por investimentos em toda a nossa infraestrutura, levando a uma elevação sem precedentes do custo Brasil. Enquanto isso, o mundo apresenta grande liquidez, que procura mercados. Por que, então, não chega à economia brasileira o volume de recursos de que tanto precisamos, de novos investimentos em infraestrutura, os maiores geradores de empregos?
Duas respostas: a primeira é a existência de uma regulação que tem gerado muito ruído. E, como sabemos, não existe animal mais selvagem que o investidor. Qualquer ruído, ele sai correndo. A segunda resposta seria a nossa assimetria tributária e as questões trabalhistas. Tomemos como exemplo a regulação proposta pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para o segmento de downstream. Em vez de tratar de questões estruturais que permitirão ou não o sucesso da abertura deste mercado, a agência tem se debruçado em questões regulatórias secundárias, como a venda direta de etanol da usina aos postos revendedores, tutela à bandeira e venda dos Transportadores Revendedores Retalhistas de gasolina para os postos.
E quais seriam as questões regulatórias que a ANP deveria levar para discussão no mercado?
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Concorrência ou anarquia
Primeiro, as consequências que a venda de refinarias pela Petrobrás poderá trazer ao mercado. A Petrobrás assinou um Termo de Compromisso de Cessação com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em que se compromete a vender metade da sua capacidade de refino no País. Mas a venda de refinarias traz a ameaça de criação de monopólios regionais. Por quê? Na medida em que não temos infraestrutura de dutos e o transporte é feito por caminhões, a concorrência entre refinarias como as de Pernambuco e da Bahia inexiste. Quem garantirá a concorrência com as refinarias serão os importadores. E para que os importadores possam concorrer será preciso que as refinarias pratiquem o preço de paridade internacional. Um desafio tanto para a ANP quanto para o Cade. Como garantir que não haverá a prática de dumping pelas refinarias?
Outra questão importante quanto às refinarias é rever o sistema atual, em que essas empresas exercem o papel de substitutas tributárias. Caso esse regime seja mantido, corremos o risco de evasão tributária.
Ainda no contexto regulatório, a ANP, junto com os governos estaduais, precisa estabelecer mecanismos, resoluções e mesmo leis estaduais capazes de combater a sonegação. Se a preocupação é com a concorrência, nada mais efetivo que o combate à sonegação, que promove uma concorrência desleal com o dinheiro do contribuinte. Hoje, o montante sonegado é de R$ 7,2 bilhões/ano.
É evidente que o sucesso do combate à sonegação está diretamente ligado à aprovação da reforma tributária, cuja meta deve ser reduzir a assimetria tributária. Torçamos para que o Congresso tenha com esta reforma o êxito obtido na da Previdência. Contudo, não será fácil mudar tributos em plena crise fiscal. O risco seria a elevação da carga tributária. Mas algum sinal precisa ser dado, e o ideal seria implantar um regime tributário monofásico no setor de combustíveis.
O último ponto é a criação de uma regulação que incentive investimentos em logística de transporte de combustíveis e de gás. A construção de dutos de combustíveis reduziria os preços desses produtos e geraria empregos no curto prazo. Mas a discrepância entre o acordado ex-ante e o realizado ex-post afeta significativamente as decisões de investimentos e é um empecilho para a expansão da infraestrutura. O compromisso e a segurança jurídica emanados dos dispositivos legais e das instituições representam a garantia contra o oportunismo e a inconsistência temporal. Portanto, um comprometimento deve carregar credibilidade para se tornar efetivo.
Diante destas questões, a regulação deve contemplar um balanço satisfatório das demandas dos consumidores e dos interesses dos investidores. Por um lado, este balanço deve limitar o poder discricionário dos reguladores e a intervenção de outras esferas do próprio governo. Por outro, deve assegurar mecanismos de promoção da eficiência produtiva que coíbam o exercício do poder de mercado.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 7/9/2019