Com a renúncia do premiê Giuseppe Conte, o presidente italiano, Sergio Mattarella, inicia hoje consultas para a formação de um novo gabinete. O fim da coalizão improvável que governou a Itália ao longo do último ano deixa o país diante de dois cenários antagônicos: um governo de centro-esquerda – ou eleições em que a direita é favorita.
Ao romper a coalizão com o Movimento Cinco Estrelas (M5E), de Conte, o objetivo de Matteo Salvini, líder da nacional-populista Liga, foi desencadear novas eleições. Ele sabe, pelo resultado das eleições europeias de maio e pelas pesquisas de opinião, que a Liga teria em torno de 37% dos votos e que seria chamado a liderar o novo governo.
Mas Mattarella não é obrigado a convocar as novas eleições imediatamente. Primeiro, deve oferecer a chance de montar uma nova coalizão ao partido que ainda mantém a maior bancada parlamentar, o M5E, com 216 das 630 cadeiras na Câmara e 107 das 319 no Senado. Se houvesse novas eleições, as sondagens põem a votação do M5E pouco acima de 17%, sem nenhuma chance de liderar um novo governo.
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O caminho mais provável para Luigi Di Maio, o líder do M5E, obter uma nova maioria no Parlamento seria formar uma aliança com Partido Democrata, de centro-esquerda, que detém 111 cadeiras na Câmara e 51 no Senado (a maioria no Senado poderia ser alcançada com a inclusão de partidos menores).
Essa possibilidade cresceu com um discurso favorável à aliança feito ontem pelo ex-premiê Matteo Renzi, senador do PD. O líder do PD, Nicola Zingaretti, ainda é reticente, tantas vezes foi esnobado pelo M5E, mas tudo depende do que lhe for oferecido. Estão em jogo concessões como a revisão das políticas duras contra imigração impostas por Salvini e a suspensão de aumentos de impostos previstos para o ano que vem.
Matarrella quer evitar novas eleições agora justamente para que não coincidam com a tumultuada discussão sobre o Orçamento. A proposta precisa ser debatida no Parlamento italiano, submetida e aceita pelas autoridades da União Europeia antes do novo ano fiscal. No ano passado, o debate orçamentário gerou a primeira cisão na coalizão da Liga com M5E. Foi preciso abandonar promessas delirantes de campanha para as quais não havia recursos.
Para satisfazer às exigências de equilíbrio na dívida pública, a previsão de déficit fiscal teve de ser reduzida de 2,4% para 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Mesmo assim, a dívida pública italiana não deverá fechar 2019 em torno de 130% do PIB como prometido nos relatórios do governo, mas em 133,4%, de acordo com a previsão mais recente do Fundo Monetário Internacional (FMI).
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Se a discussão orçamentária com o PD fracassar, o último recurso de Mattarella para evitar novas eleições seria uma coalizão conduzida por técnicos, sem necessariamente maioria parlamentar. No campo das hipóteses remotas, falou-se até em aliança com o Força Itália, do ex-premiê Silvio Berlusconi, nêmese eterna do M5E, nascido do combate à corrupção associada a Berlusconi.
Qualquer que seja o minueto barroco dançado no Parlamento italiano para formar um novo governo, Mattarella só recorrerá a novas eleições em último caso. O próprio Salvini, principal interessado, considera haver apenas 10% de probabilidade de um novo pleito.
Salvini tornou-se uma espécie de líder continental da direita nacionalista eurocética. Luta para manter fronteiras fechadas e conter a imigração. Não fala mais em sair do euro, nem da União Europeia, apenas em reformá-la “por dentro”. É provável que fracasse na tentativa de encurtar o caminho para governar sozinho. Mas sua popularidade só faz crescer. É improvável que qualquer novo governo liderado pelo M5E detenha a aparentemente inevitável ascensão de seu desafeto.
Fonte: “G1”, 21/08/2019