Esqueçam o falatório das boas intenções e as promessas de chegar ao Paraíso pelo caminho mais fácil. Nenhum plano de governo valerá mais que um pinhão podre se descuidar de um problema básico e incontornável, o potencial de crescimento econômico, muito baixo pelos padrões internacionais. Sem mexer nesse entrave será até possível diminuir o desemprego, mas para criar continuamente vagas de alta qualidade será necessária uma política muito mais ambiciosa. Como um corredor sem músculos, sem agilidade e sem fôlego, o País será incapaz de sustentar nos próximos anos taxas de expansão superiores a 2,5%, segundo a maior parte das projeções. Algum arranque poderá levar a uma velocidade maior por algum tempo, mas o impulso logo se esgotará. O obstáculo mais fácil de perceber é o escasso investimento em máquinas, equipamentos e construções, raramente superior a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) nas últimas três décadas. Taxas superiores a 25% e até a 30% caracterizam economias mais dinâmicas. Mas o ritmo de formação do capital fixo é apenas um dos aspectos do problema. Para uma avaliação mais completa e realista é preciso considerar também a qualidade do parque produtivo, a capacidade da mão de obra e o peso atribuído à inovação na prática empresarial.
Uma palavra raramente usada pelos candidatos à Presidência indica o foco necessário: produtividade. No Brasil, mesmo os setores e empresas mais eficientes têm sua atuação comprometida por um enorme número de entraves. Rodovias insuficientes, mal construídas e mal conservadas são um dos exemplos mais fáceis. Outros problemas apontados com frequência são os entraves burocráticos, a tributação mal distribuída e muito complicada e a insegurança jurídica. Tudo isso, embora muito relevante, é lugar comum na discussão sobre a eficiência da economia brasileira.
Há outros problemas muito menos citados e, no entanto, de importância decisiva quando se compara a produtividade brasileira com a de muitos outros países. A qualidade da mão de obra é provavelmente o exemplo mais significativo.
Não se pode pensar num grande salto para a frente, nos próximos cinco a dez anos, quando três em cada dez brasileiros com idade entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais. São pessoas incapazes de entender textos simples, de absorver instruções escritas e, nos piores casos, até de fazer contas elementares no dia a dia. Essa estimativa, divulgada no começo de agosto, resulta de um estudo feito pelo Ibope Inteligência em parceria com a ONG Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro.
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O problema apontado nessa pesquisa é muito mais sério que a escassez de mão de obra qualificada. O número de analfabetos funcionais indica uma grave escassez de mão de obra meramente qualificável, isto é, passível de treinamento no local de trabalho ou em centros de preparação profissional.
Os analfabetos funcionais são 38 milhões de pessoas, segundo o estudo. Esse contingente é maior que a população do Peru (32,16 milhões) e corresponde a cerca de 85% dos habitantes da Argentina (44,27 milhões). Esse grau de analfabetismo é apenas o sinal mais assustador das misérias educacionais no Brasil. Há outros indícios também muito preocupantes da pobre formação proporcionada à maior parte dos estudantes nos níveis fundamental e médio.
O baixo desempenho dos brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), também comprova o mau estado da educação no País. Em testes sobre linguagem, ciências naturais e matemática os brasileiros têm ficado perto da 60.ª posição entre 70 participantes. A classificação tem até melhorado, mas as notas têm permanecido muito abaixo dos níveis médios. Quase nada se fez, em muitos anos, para a melhora desses níveis de ensino. Durante uma década e meia, a prioridade petista foi o alargamento das portas do chamado ensino superior, pela criação de facilidades de acesso e pela multiplicação de universidades mais úteis para fins eleitorais do que para a formação acadêmica e profissional.
Tem havido maior atenção aos níveis fundamental e médio, mas a discussão, especialmente quando mesclada com ingredientes políticos, tem ficado, com frequência, abaixo do padrão desejável. De toda forma, é perda de tempo falar sobre política social e sobre aceleração do crescimento sem cuidar do padrão educacional oferecido a todas as crianças e a todos os jovens.
Programas de transferência de renda podem garantir a sobrevivência dos mais pobres. Mas nenhuma política será de fato inclusiva sem a ênfase na formação para o trabalho e para a economia moderna. A modernidade pode estar na cidade e no campo, na grande e na pequena unidade produtiva. O resto é enganação populista.
Nenhum esforço irá longe, é claro, sem o cumprimento de tarefas básicas, como o conserto das contas públicas e a implantação de reformas modernizadoras. Sem isso, será impossível tornar os governos mais eficientes, em todos os níveis da administração, e elevar os investimentos públicos.
Será preciso enfrentar, entre outros temas politicamente difíceis, o problema dos orçamentos engessados por vinculações e por um enorme número de despesas obrigatórias. Gestão pública mais flexível, mais planejada e mais eficiente é um componente precioso de qualquer política voltada para aumento da produtividade e do potencial de crescimento. A criação de empregos, nesse caso, é consequência previsível.
Integração global tem de ser parte desse esforço. Com isso, produtividade e competitividade se tornam termos equivalentes. Pode ser mais atraente e mais simples defender o protecionismo e o conforto para os empresários, especialmente para os amigos. Com isso se repetirá a conhecida receita do atraso e da dominação populista.
Fonte: “Estadão”, 12/08/2018