O grande drama vivido pelos atuais gestores dos Estados brasileiros é como lidar com o choque inesperado que se abateu sobre suas contas ao longo de todos os anos dos atuais mandatos, por causa da mais longa e mais intensa recessão já registrada em nossas estatísticas históricas, que derrubou drasticamente as receitas de natureza tributária.
Enquanto o setor privado ajustava seus dispêndios para baixo ou se desfazia de ativos para enfrentar a recessão brutal, aumentavam, na direção oposta, as pressões sobre os gastos com serviços públicos básicos dos usuários atingidos pelas altas taxas de desemprego. Isso tornou ainda mais difícil qualquer ajuste num segmento que se destaca exatamente pela alta rigidez dos seus gastos. Existem leis e mais leis que protegem determinados tipos de gastos, estabelecendo níveis mínimos. Só que essas leis, como a de Responsabilidade Fiscal (LRF), foram obviamente escritas supondo períodos normais.
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Para conter autorizações de gastos (ou “empenhos”) em alguma medida, a única saída acaba sendo a velha e danosa fórmula de reduzir drasticamente investimentos sem muito critério. E para ajustar os empenhos às menores disponibilidades de caixa, em um quadro, como o atual, em que a União tem adotado uma política de socorro bastante dura perante os Estados (enquanto amolece a que o atende, pelo poder de emitir moeda sem limite), ao final acabam prevalecendo atrasos generalizados de pagamento, privilegiando os mais fortes politicamente. Só que, pela LRF, esses atrasos têm de ser zerados até o último ano dos mandatos (no caso, 2018), sob pena de punições muito pesadas para os respectivos administradores. E é isso que acabaremos vendo, se nada for feito, para aqueles muitos que não tenham herdado saldos líquidos de caixa capazes de cobrir os novos buracos.
Para ter uma ideia mais precisa da difícil situação em que se encontram os administradores estaduais, e trabalhando com os conceitos orçamentários inscritos nos balanços, os resultados do conjunto dos Estados passaram de superavitários para pesadamente deficitários entre os últimos e os atuais mandatos. Nos mandatos de 2011-14 havia-se registrado um superávit orçamentário total acumulado de R$ 11,1 bilhões, mas agora, em apenas três anos, já temos um déficit total de R$ 34,5 bilhões, implicando uma virada, para pior, de R$ 45,6 bilhões em termos nominais.
Não sei se ainda há tempo de passar tal peça de legislação num Congresso apático, como hoje está o nosso, mas para o quadro excepcional que vivemos, seria o caso de se ter tido uma lei especial sob a qual se faria um ajuste menos penoso enquanto tal situação perdurasse. Essa seria a maneira mais simples de atacar o problema, vendo-o como algo de natureza puramente conjuntural.
Na verdade, existe algo mais, de natureza estrutural, por resolver, como também tenho mostrado em meus artigos. Nem todos sabem, mas na raiz da atual crise financeira dos Estados brasileiros está o forte crescimento do custo dos regimes de Previdência própria de seus servidores, em um quadro de cada vez mais baixa disponibilidade de recursos orçamentários para fazer face a esse tipo de despesa. Por isso, nesses orçamentos o gasto cresce tanto. Entre 2003 e 2014, por exemplo, o gasto total dos Estados cresceu, em média, 6,2% ao ano acima da inflação, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) crescia 3,9%. Foi graças a esse aumento vigoroso do PIB que a receita pública subiu e evitou uma crise antes de que a atual explodisse.
No Fórum Nacional de 10 e 11 de maio vindouros, no BNDES, mostraremos que não dá para contar com uma evolução mais vigorosa do PIB, se não fizermos certas mudanças drásticas, especialmente no que diz respeito à área de infraestrutura e a outros mecanismos capazes de incrementar a produtividade. E aproveitarei para apresentar em maior detalhe a solução que venho desenvolvendo com Leonardo Rolim para equacionar a Previdência estadual e, de passagem, resolver também o sufoco de curto prazo acima referido.
Fonte: “Estadão”, 12/04/2018