As 35 metas para os cem dias iniciais do governo, ontem lançadas pela Casa Civil, buscam emular, ao que tudo indica, as realizações dos primeiros cem dias mais famosos em administrações públicas, quais sejam os utilizados pelo governo Franklin Roosevelt para enfrentar a Grande Depressão. Acontece que o presidente americano listou as medidas já aprovadas ou implementadas e não as que pretendia colocar em prática. Seu discurso foi feito em julho de 1933, quando se completavam cem dias de sua posse do cargo.
Trata-se de ação de marketing que tem claros objetivos políticos. A ideia terá sido a de atender cobranças sobre a falta de um programa claro e amplo. Mas, a meu ver, o governo poderia dispensar essa prestação de contas. Dificilmente os eleitores de Bolsonaro a estão exigindo. Como se sabe, ele se elegeu sem ter um programa coerente de governo. As razões de sua vitória passaram ao largo dessa particularidade.
Na lista das metas, foram incluídas questões que exigirão estudos e negociações de difícil conclusão no prazo estabelecido. É o caso, por exemplo, da “redução da tarifa do Mercosul”. O prazo é muito curto para medida que demandará complexas negociações com os demais países membros do bloco: Argentina, Uruguai e Paraguai.
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As metas incluem ações iniciadas no governo de Michel Temer, como a atribuição de independência ao Banco Central. O projeto ainda se encontra na Câmara e pode até ser aprovado no período indicado, mas corre o risco de demora maior por causa de acidentes regimentais e da atribuição de máxima prioridade à reforma da Previdência, o que levaria o governo a evitar a tramitação simultânea de pautas polêmicas.
Curiosamente, a reforma da Previdência não consta da lista de medidas. Sem ela, é pouco provável que o governo Bolsonaro seja bem-sucedido. Por isso, corretamente, o ministro da Economia Paulo Guedes disse em Davos que essa reforma é a prioridade máxima do governo.
Nenhuma das medidas é irrelevante. Não se trata disso. O que surpreende é o governo comprometer-se com propostas que, em muitos casos, dificilmente estarão cumpridas nos cem dias iniciais do governo. Mais ainda, não se percebe a demanda pelas metas por atores relevantes, seja o eleitorado, sejam formadores de opinião, principalmente os do mercado financeiro aqui e lá fora, que fazem suas apostas na aprovação da reforma da Previdência. É difícil, pois, enxergar ganhos importantes da decisão.
O governo será cobrado pela imprensa ao longo dos próximos cem dias. Não será surpresa se veículos da mídia destacarem o fracasso na realização de muitas das metas, inclusive das que foram parcialmente atingidas.
O governo parecer ter criado, desnecessariamente, sarna para se coçar.
Fonte: “Veja”, 24/01/2019