Até recentemente, a taxa de juros básica do Banco Central (BC) era uma das mais altas do planeta. Os que o acusavam de estar a serviço dos banqueiros desconheciam que o BC não tinha espaço para reduzir a Selic, como se reivindicava, a não ser que pusesse a perder a meta para a inflação, irresponsavelmente.
Eis que a Selic está em 5%, e deve cair em dezembro para 4,5%. Os mais otimistas a estimam em 4% em 2020. É uma agradável surpresa. Em janeiro de 2016, a pesquisa Focus do BC apontava estimativa da taxa Selic de 11% no fim de 2019. O que aconteceu?
A resposta está em um longo processo, cujos marcos iniciais são o Plano Real (1994), a criação do Comitê de Política Monetária (Copom) — que institucionalizou o processo de decisão sobre a Selic (1996) — e o regime de metas para a inflação (1998). A Selic se tornou o principal instrumento de controle da inflação. O BC adquiriu a capacidade de ancorar expectativas e, assim, cumprir metas.
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A partir de 2016, no governo Temer, vieram três medidas fundamentais. A primeira foi o teto de gastos, que interrompeu o crescimento insustentável das despesas federais. O Tesouro caminhava para a insolvência e o calote nos credores. Quanto menor o risco, como se sabe, mais baixa a taxa de juros.
A segunda foi a nova taxa de juros de longo prazo (TLP), que eliminou subsídios nas operações do BNDES. A terceira foi a determinação para que o BNDES começasse a devolver os 500 bilhões de reais transferidos pelo Tesouro para que o banco fornecesse crédito a juros camaradas.
Antes, metade do crédito da economia não era influenciável pela taxa Selic. Imagine um sistema hidráulico de dois canais para abastecer uma caixa-d’água. Se um deles estiver entupido, a bomba precisará ter o dobro da potência. Mal comparando, a Selic tinha de ser duplicada para provocar o mesmo efeito na inflação.
No governo Bolsonaro, a reforma da Previdência contribuirá para preservar o teto de gastos e atenuar o risco de insolvência do Tesouro. A inflação abaixo da meta pelo terceiro ano consecutivo ajudou a viabilizar a forte queda da Selic.
Salvo o imponderável, a Selic historicamente baixa pode ser o novo padrão, suficiente para garantir a inflação na meta. Esse cenário se deve às medidas estruturais mencionadas, que elevaram a potência da política monetária.
O benefício ainda não chegou de todo a quem toma crédito. Queda maior depende de redução do spread bancário (diferença entre a taxa de captação de recursos e a de concessão de crédito). Para que isso ocorra, é necessário eliminar tributos sobre transações financeiras (esquisitice brasileira), elevar a concorrência entre bancos e reduzir a inadimplência.
No Brasil, recuperam-se apenas 15% dos empréstimos não pagos, o que explica 37% do spread, em parte decorrente da condescendência do Judiciário com devedores relapsos. A recuperação é de 39% na América Latina e de 73% nos países da OCDE. O BC vem tentando melhorar a situação. Seja como for, Selic baixinha é para comemorar.
Fonte: “Veja”, 22/11/2019