Por aqui, continuamos numa transição tumultuada, agora com o “caso COAF” causando desconforto ao novo governo eleito e as articulações políticas, para construir uma base de apoio no Congresso e enfrentar as reformas, ainda complicadas. No exterior, o clima não é menos tenso. Diante dos impasses comerciais entre China e EUA, não será surpresa se o mundo mergulhar numa desaceleração mais forte no ano que vem. Uma recessão não está descartada. Os dados da China já mostram esta perda fôlego, depois da produção industrial e do varejo mais fracos. São vários ventos contrários na proa do “navio chamado economia global”. Não podemos nos esquecer também do impasse do Brexit, dos imbróglios na França, o impasse também no orçamento da Itália, a dosagem dos Bancos centrais nas suas políticas monetárias, etc. Façamos então alguns comentários a seguir.
Impasses no Reino Unido. Nos últimos dias o Reino Unido esteve próximo de mergulhar numa profunda crise política, diante do impasse do acordo do Brexit. E o pior é que a UE não parece muito disposta a aceitar que os ingleses voltem atrás. Teremos, inevitavelmente, um hard Brexit nos próximos meses. Muito deste quadro se explica pelo arrependimento dos ingleses diante da perda da chamada “mobilidade dos fatores de produção”, em especial, no caso da mão de obra. Eles perderam a possibilidade de buscar novas recolocações em outros países membros e por isso, estão arrependidos.
Na semana passada, a primeira ministra do Reino Unido esteve próxima de enfrentar uma “moção de censura” pelo Parlamento, o que seria o fim do seu mandato, mas em votação folgada, 200 a 117, conseguiu reverter e um “voto de confiança” foi dado. Só que, como “moeda de troca”, anunciou que não deve renovar seu mandato nas eleições do ano que vem.
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EUA de Trump. Nos EUA Donald Trump continua aprontando. Na semana passada pressionava os democratas pela liberação de recursos (US$ 5 bilhões) para a construção de um “muro” na fronteira com o México. No G-20, em Buenos Aires, foi mais bem sucedido ao fechar uma trégua de 90 dias com os chineses, para chegarem a um acordo mais definitivo. Ao mesmo tempo, ameaçou os chineses de novas taxações, depois da prisão de uma executiva da Huawei. Em paralelo, os chineses, se de um lado ameaçaram retaliar depois da prisão da executiva, por outro, aceitaram a redução das tarifas de importação para os automóveis norte-americanos e passaram a comprar soja dos yankees.
Sobre as ações do Fed, a expectativa gira em torno da dosagem do juro diante do ritmo de crescimento do País, perdendo fôlego, em sintonia com a economia global. O ciclo de aperto monetário deve ser menos intenso daqui para frente, havendo um ajuste de 0,25 ponto percentual em dezembro e mais dois ou três ajustes previsto, e não mais quatro, em 2019, para depois dar uma parada. Em evento recente em que discursou, Jerome Powell, presidente do Fed, disse que os juros básicos estão “apenas um pouco abaixo do nível neutro”, aquele compatível com o crescimento equilibrado, ou seja, sem pressões inflacionárias e garantindo pleno emprego.
Importante destacar o início de uma deterioração dos spreads de crédito corporativo nos EUA. Houve uma alta nas taxas de captação de muitas empresas, em intensidade ainda tímida para o padrão histórico, mas toda atenção é pouca, já que o endividamento das empresas seguiu elevado nos últimos anos. Com o chamado “Quantitative Easing”, as empresas não se furtaram em aumentar a alavancagem, mesmo que isso implicasse em redução na classificação de risco das mesmas, pois a farta disponibilidade de recursos garantia financiamento em qualquer circunstância. Agora todo cuidado é pouco na dosagem do juro, para evitar quebradeira das empresas.
Outros eventos. Sobre a Europa, o debate do orçamento italiano vem sendo amenizado pela postura do governo “conservador” em buscar um déficit orçamentário menor em 2019 comparado ao que já foi submetido e rejeitado pela comissão europeia. Depois de algum esperneio os conservadores vão sendo, aos poucos, enquadrados.
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Na França Macron acabou tendo que ceder (até demais), diante do caos propagado pelos “camisas amarelas” contra a taxação do combustível e outros. Concedeu um reajuste de 100 euros para o salário mínimo e cancelou a taxação.
Por fim, Mario Draghi do BCE, manteve os juros estáveis, pelo menos até o final de 2019, e confirmou o fim da política de compra de ativos (Q3) (15 bilhões de euros mensais), para o fim de dezembro. Segundo ele, o ritmo de crescimento da região continua “sólido”, embora aquém do potencial. Para 2019 o crescimento passou de 2,0% para 1,7%, reafirmando as incertezas com o comércio global e “questões geopolíticas”, como o Brexit.
Projeções. Falando das projeções da economia global continuamos acreditando num crescimento moderado neste ano e no próximo, em torno de 3,5%, puxado ainda por alguns emergentes como a China, crescendo entre 6% e 6,5%, e a Índia, na mesma toada, crescendo um pouco mais, em torno de 7%. Os EUA, mesmo com suas contradições na gestão Trump, segue como um dos “motores da economia global”, com o PIB avançando entre 2,5% e 3,0% neste ano, pela isenção de impostos implementada nas empresas.
Estejamos atentos, no entanto, aos imbróglios do comércio global, pelos contenciosos com a China e seus reflexos nos PIB dos principais países. Estamos prestes a ingressar numa inflexão abrupta no ritmo da economia global? Não nos parece adequado pensar em recessão, mas crescimento menos, sem dúvida.
Falando das commodities, as quedas na cotação do petróleo e do minério de ferro são bastante contundentes. Ainda é cedo para determinar se o movimento é liderado pela perspectiva de crescimento global menor, enfraquecendo a demanda, ou se é apenas por questões pontuais sobre a oferta no curto prazo. Por ora, a permanência em patamares mais baixos influi sobre inflação no mundo, tornando-a menos pressionada, embora reduzindo as receitas de exportação dos emergentes.