Não é novidade que funcionários públicos têm pouco incentivo para trabalhar com eficiência. Não serão demitidos e, via de regra, ganharão o mesmo se prestarem um serviço capenga ou exemplar.
No caso dos policiais, o estímulo é ainda menor. Não só falta a eles um incentivo racional para a eficiência como há muitos motivos para deixarem de prevenir crimes, investigar ou perseguir criminosos. Pois trabalhar bem nessa atividade significa correr mais perigo.
Pior ainda, é enorme a tentação de se aliar ou fazer vista grossa ao crime. O policial correrá menos risco (e terá mais dinheiro no bolso) se aceitar propostas de máfias ou de pequenos criminosos. Não à toa, a ronda diária de policiais civis de muitos estados brasileiros consiste em coletar propina de comerciantes ou donos de casas de shows, enquanto pouquíssimos homicídios são esclarecidos no país.
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É difícil acreditar que a intervenção federal vai mudar esses incentivos perversos e resolver a criminalidade no Rio de Janeiro. Seria o caso, então, de privatizar a polícia?
Na prática, já é o que fazemos. O Brasil tem 1,7 milhão de vigilantes privados contra 602 mil policiais civis, militares e federais (dados de 2009). Do vigia noturno à escolta armada, confiamos nossa segurança mais a empresas que a governos.
Na média mundial, há 348 seguranças privados e 318 policiais públicos a cada 100 mil habitantes, segundo estudo do sociólogo holandês Jan van Dijk. Na Suíça, uma empresa de segurança privada faz o policiamento preventivo de trinta pequenas cidades.
No Brasil, o investimento em segurança é redundante. Contribuintes bancam a polícia pública e diversos condomínios de um bairro pagam empresas privadas de vigilância. Não seria mais fácil seguir o exemplo suíço e contratar uma só empresa e uma seguradora para se encarregarem da segurança de todo o bairro?
O Brasil tem hoje 564 mil mandados de prisão em aberto (quase o total de presos no país), segundo o Conselho Nacional de Justiça. Não deve demorar para termos mais foragidos que presos no país.
O caçador de recompensas do cinema poderia ajudar a reduzir esse número. Em casos isolados, polícias brasileiras oferecem recompensas em troca de informações sobre o paradeiro de criminosos. Poderiam sistematizar essa oferta e permitir que empresas se especializem em levar foragidos à Justiça.
Essas propostas não são panaceias: nos Estados Unidos, caçadores de recompensas matam foragidos que tentam capturar e enganam a polícia oferecendo inocentes no lugar de criminosos. Também é fácil imaginar contratos superfaturados de empresas de segurança contratadas por prefeituras. Seria preciso um bom desenho de contrato para evitar a captura regulatória.
Do jeito que está, mais investimento ou “vontade política” não vão dar em nada. A polícia brasileira está desenhada para santos incapazes de cometer pecados acontece que os policiais, em geral, teimam em agir como pessoas normais que obedecem a incentivos.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 21/02/2018