A citação é conhecida: convidado a investigar o desaparecimento de Silver Blaze, cavalo que dá nome ao conto, Sherlock Holmes conversa com o inspetor Gregory, que pergunta: “Você quer chamar minha atenção para algum ponto?”. Ao que Holmes responde: “Para o curioso incidente do cachorro durante a noite”. “Mas o cachorro não fez nada durante a noite”, retruca o inspetor. “Esse foi o curioso incidente”, conclui Holmes.
Lembrei-me dessa história do cão que não latiu ao ver a pouca reação dos preços dos ativos brasileiros às eleições deste ano. Ela não parece consistente com as percepções dos especialistas sobre o quadro econômico e político do país, especialmente quando comparado a 2002, quando os ativos brasileiros caíram brutalmente de preço.
Uma dessas percepções é que a situação econômica de hoje é bem mais grave que a de 2002. O espaço é pequeno para detalhar o que está por trás dessa visão, mas os argumentos principais são discutidos nas entrevistas com A. Fraga (bit.ly/2MHr6MV), J.J. Senna e G. Loyola (bit.ly/2N8PpPU), e no artigo de A.C. Pastore (bit.ly/2R70x2L). Basicamente, esses economistas apontam para um quadro fiscal muito pior, e mais difícil de melhorar, e uma menor capacidade de acelerar o crescimento econômico em 2018 do que em 2002. Além disso, argumentam que a melhor situação das contas externas se deve à brutal recessão de 2014-16 e não a um saudável aumento de competitividade e poupança, sendo, portanto, insustentável a médio prazo.
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A outra percepção que se tem é que a eleição não vai produzir uma solução para esses problemas, dado o mau desempenho dos candidatos de centro, em especial o do PSDB, o favorito do mercado. O que se viu, pelo contrário, foi a ascensão dos candidatos populistas, nas extremas esquerda e direita, que são vistos como não dispostos e/ou incapazes de implementar as reformas que o país precisa. Isso criou o que o Financial Times chamou de um “cenário de pesadelo”, que segundo o FT pode condenar o país a mais quatro anos de luta política sangrenta, cenário que nem se cogitava em 2002 (bit.ly/2NKemq4).
Mas nem a terrível situação da economia, nem o assustador cenário político, parecem ter afetado muito o preço dos ativos brasileiros, cuja dinâmica segue bem mais favorável que em 2002. Nos 12 meses até o final de setembro de 2002, a taxa de câmbio (R$/US$) subiu 46%, o risco país (EMBi+) aumentou 1.234 pontos base (bps) e a bolsa caiu 19%. Na mesma comparação este ano, o dólar ficou 27% mais caro, o risco país subiu 45 bps e a bolsa subiu 2%. O resultado é semelhante quando se olha apenas o mês anterior às duas eleições. Em 2002, ao longo de setembro, o real se desvalorizou 29%, o risco país subiu 764 bps e a bolsa caiu 17%. Já este ano o real se valorizou 2%, o risco país caiu 52 bps e a bolsa subiu 3,5%. Com isso, chegamos às eleições deste ano com o real valendo muito mais, o risco país bem mais baixo e a bolsa com indicadores bem melhores que em 2002.
Assim, ao contrário do que aconteceu em 2002, este ano o mercado “não latiu”. É no mínimo curioso. Como explicar isso? Sherlock Holmes com certeza saberia, mas eu posso no máximo especular em torno de algumas das inúmeras possíveis explicações. Aqui vão três.
Primeiro, os investidores podem acreditar que há candidatos competitivos que podem fazer reformas significativas, colocando o país em uma trajetória muito favorável, assim como há outros que podem levar o país ao desastre. Na dúvida sobre quem vai ganhar, ficam parados, à espera, para ver o que fazer. A reação do câmbio e da bolsa às pesquisas eleitorais desta semana reforça essa hipótese. Em 2002, ao contrário, havia uma quase certeza que Lula iria vencer e que isso seria muito ruim.
Segundo, os investidores podem acreditar que, a despeito das plataformas eleitorais em contrário, uma vez eleito o vencedor vai adotar uma política econômica responsável, abandonar as promessas absurdas e fazer as reformas que o país precisa. Isso poderia ocorrer por motivos saudáveis, refletindo o amadurecimento institucional do país, ou por puro pragmatismo, como ocorreu após as eleições de 2002 e 2014. Obviamente, há aqui um paradoxo: a experiência ensina que as reformas ficam mais prováveis exatamente quando os mercados entram em pânico.
Terceiro, há uma questão de timing que pode ser diferente nos dois casos. Os investidores podem achar que, mesmo na falta de reformas, a boa situação das contas externas e as elevadas reservas vão permitir que eles saiam do Brasil mais à frente, sem grande dificuldade, alternativa que não parecia realista em 2002, quando as reservas eram baixíssimas e a conta corrente operava com grande déficit.
Crenças à parte, tudo isso, claro, só aumenta nossa responsabilidade ao votar no próximo domingo. Que tenhamos sucesso em votar no(a) melhor candidato(a).
Fonte: “Valor Econômico”, 05/10/2018