Mais que nunca, o problema econômico número um do país se chama desequilíbrio fiscal. Inimagináveis até bem pouco, déficits primários gigantescos — cálculo em que não se consideram os juros e as amortizações de dívida como parte da despesa — se aproximaram dos R$ 200 bilhões anuais na União.
Só que, na raiz de tudo, para quem ainda não percebeu isso com clareza, estão os elevados níveis de gastos em benefícios previdenciários, mercê das elevadas taxas de crescimento observadas nesses mesmos itens há bastante tempo. E isso ocorre mesmo antes do agravamento da questão demográfica, que, mais à frente, colocará tintas ainda mais vermelhas nas tabelas respectivas.
Lembrando que há a Previdência dos servidores públicos, de um lado, e a Previdência Geral (INSS), do outro, trago aos meus leitores a constatação de que os gastos totais com a primeira passaram de R$ 205 bilhões em 2014 para, pasmem, R$ 284 bilhões no ano passado, distribuindo-se da seguinte forma. Nos estados, saíram de R$ 109 bilhões para R$ 163 bilhões; no regime dos servidores da União, de R$ 96 bilhões para R$ 121 bilhões. Os números seriam ainda mais escandalosos se tivesse conseguido obter, e aqui adicionar, os dados relativos à totalidade dos municípios. Mas, como não consegui deduzir as contribuições dos servidores, hoje certamente com alguma expressão e dada a escassez de estatísticas, a subestimativa do custo total com Previdência para a União, estados e municípios fica atenuada.
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Já o déficit do INSS, que a União tem de pagar, e precisa ser adicionado aos totais citados no parágrafo anterior (e também comparado com eles), saiu de R$ 56,7 bilhões em 2014 para R$ 182,4 em 2017, sabendo-se, é claro, que o segundo número seria bem menor se não tivesse havido a megarrecessão entre os dois anos.
A síntese é que o custo das previdências é muito alto e crescente para os contribuintes, chamando ainda a atenção que a dimensão do problema dos servidores é muito mais elevada que a do déficit do regime geral, ao contrário do que muitos pensam.
Só por isso, a questão dos servidores deveria merecer atenção especial dos analistas e dos dirigentes políticos. Mas com muito mais razão, porque é no regime deles que se observam as maiores aberrações e injustiças, cabendo a alguém, uma hora, listar algumas delas.
Tendo foco na crise financeira estadual, um outro ponto igualmente importante que cabe salientar é que o pagamento dessas contas deveria se dar com superávits de igual valor, que deveriam ser registrados nas demais contas do ente em causa, especialmente num momento em que a disponibilidade de financiamento formal é quase zero.
Só que, para complicar, existe o que chamei de “donos do Orçamento”, que são áreas do Orçamento que têm receitas cativas ou garantidas e se recusam a pagar qualquer parcela da conta dos inativos e pensionistas do seu segmento. Nem pagam a despesa em si nem aceitam pagar contribuições patronais para viabilizar os benefícios futuros. E, para isso, obtiveram leis — inclusive leis complementares — que os desobrigam dessa responsabilidade.
Refiro-me, basicamente, às áreas de Educação e Saúde e aos chamados “poderes autônomos”: Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunais de Contas. A força financeira desses poderes teria origem no dispositivo da Constituição de 1988, que lhes conferiu “autonomia financeira e administrativa”.
E há “donos do Orçamento” tão folgados financeiramente que acabaram criando fundos polpudos com as sobras de caixa oriundas das fatias protegidas que recebem em excesso dos orçamentos-mãe, cuja gestão é pouco conhecida da grande maioria de analistas que se dedicam ao tema.
Assim, a conta crescente que precisa ser paga com superávits ascendentes tem de ser assumida pelo orçamento residual do dirigente máximo do ente respectivo (no caso, os governadores), que recebe um pedaço pequeno do dinheiro total e tem responsabilidades importantes como as relativas às áreas de segurança e infraestrutura para bancar esse resíduo.
E como os gastos com o pessoal ativo são permanentemente pressionados para cima em todos os segmentos, inclusive pela própria União (que, por exemplo, é quem fixa o piso salarial dos professores de outras esferas de governo), o gerente financeiro é obrigado a propor coisas como zerar o investimento e reduzir o custeio em termos reais fortemente. O que coloca a operação do ente em óbvia situação calamitosa, levando ao acúmulo de atrasos e ao risco de não cumprir a lei que manda virar o mandato sem aqueles.
Em suma, se não há força política suficiente para rever as vinculações de receita a certas áreas e à autonomia orçamentária e financeira de outras, nem também para reformar regras previdenciárias com efeito imediato, a única saída é retirar esse assunto do orçamento e tratá-lo como se fez nas grandes estatais brasileiras. Ou seja, equacioná-lo financeiramente via fundos de pensão, como, aliás, manda o artigo 40 da Constituição, e como já se fez, no caso do Banco do Brasil, pela criação da Previ.
Fonte: “O Globo”, 05/02/2018