Não pode haver democracia representativa factual sem a presença de partidos políticos consolidados. É cabível asseverar, nesse diapasão, que os partidos se constituem em potenciais nascedouros do imprescindível arcabouço político-programático, sem o qual o nefasto fenômeno da personalização encontra campos férteis para vicejar, solapando a plenitude ou, até mesmo a existência, vide a débâcle venezuelana, dos regimes democráticos. O membro da Academia Paulista de Letras e especialista do Instituto Millenium, Prof. Dr. Bolívar Lamounier, demonstrou com propriedade em diversos livros que, em contextos nos quais as disputas políticas são determinadas eminentemente pela lógica do apelo individual, os relevantes debates nacionais tendem a definhar à insignificância.
Segundo o TSE, há 35 partidos políticos registrados no órgão, além de outros 73 em formação. A despeito da típica pluralidade do sistema político-partidário contemporâneo brasileiro, é notória a quase completa desconexão entre representantes e representados. Majoritariamente, a sociedade se ressente do fato de que há tempos as instituições políticas tradicionais, sobretudo os partidos, deixaram de atuar como caixas de ressonância de seus anseios. No Brasil não faltam partidos, minguam, não obstante, partidos expressivos. Salta aos olhos que, a despeito do elevado número de partidos, a maioria da população não se sente representada por nenhum deles.
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Há os que sustentam a necessidade de se alterar a legislação eleitoral, para que esta possibilite as chamadas candidaturas avulsas, ou seja, advogam em favor da extinção da compulsoriedade de registro partidário para os candidatos a cargos eletivos. A adoção de tal medida representaria, na prática, a rendição do sistema político brasileiro ao populismo mais pernicioso. Os partidos, como instituições vitais ao ambiente democrático, precisam ser fortalecidos, não desprestigiados.
Ao examinar a arquitetura política vigente, um inexorável questionamento ecoa, quase ensurdecedor: O que levou tantos brasileiros a identificarem os partidos como instituições descartáveis? A obviedade de duas explicações pode, à primeira vista, elucidar a indagação. (1ª) Os recorrentes escândalos de malversação e pilhagem dos recursos financeiros públicos transferidos aos partidos. (2ª) A captura das cúpulas partidárias por inescrupulosas lideranças, que as dirigem movidas pela lógica vil do assenhoramento, impedindo, por exemplo, que os partidos definam seus candidatos às eleições majoritárias através da realização de prévias, ou a participação direta dos filiados durante o processo de formulação/aprovação dos documentos programáticos.
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Há, no entanto, uma resposta menos patente à tormentosa pergunta referida, qual seja: os partidos políticos brasileiros renunciaram ao exercício da função mais elementar que lhes é inerente, isto é, deixaram de prover narrativas estratégicas à sociedade. Abstiveram-se, portanto, de apresentar orientações estruturadas de longo prazo. A grave letargia na propositura de agendas destinadas aos horizontes das futuras gerações é a causa precípua da obsolescência na qual imergiram os partidos em nosso país.
É premente que os partidos retomem, na condição de entidades legitimadas pelos vínculos programáticos que mantêm com os cidadãos, o protagonismo da política no Brasil. Resta claro que urge aos partidos resgatar sua valorosa missão: lançar luzes sobre os desafios vindouros. A nação brasileira carece do direcionamento a ser fornecido por faróis institucionais. Cabe aos partidos os erigir.