A quem serve o sistema de ensino do Brasil? Com certeza, ele não serve aos que dele mais necessitam: os brasileiros de baixa renda e as famílias pobres, para as quais o ensino é a principal via de acesso a uma vida melhor.
Nosso problema mais urgente é o crime sem controle. Nosso segundo problema mais urgente é o sistema brasileiro de ensino.
No mundo inteiro se discute educação. O avanço da ciência e da tecnologia tem sido enorme, mas não foi refletido nos métodos de ensino. O modelo das escolas atuais ainda é, essencialmente, o mesmo modelo concebido quando o ensino público foi inventado na Prússia do século XIX. Alunos sentados em uma sala assistem passivamente a um professor, que apresenta informações com graus variados de interesse, atratividade e importância.
Pouco se ensina, pouco se aprende. No Brasil, tudo é muito pior.
Acompanho os estudos da minha filha Maria de 7 anos, e do João de 14, ambos matriculados em excelentes – e caras – escolas do Rio de Janeiro. Não é raro que eu me espante, e até me sinta indignado, com o conteúdo das matérias que eles estudam. Meus filhos aprendem coisas irrelevantes e sem uso prático, e não aprendem coisas essenciais sobre o mundo. As matérias são, geralmente, apresentadas de forma burocrática, entediante e mal produzida. Professores usam as aulas como sessões de doutrinação, com maior ou menor ousadia.
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Vejam a Revolução Francesa, um dos episódios mais fascinantes da história: começou com uma monarquia absolutista, passou por uma revolução idealista e banhada em sangue, e terminou no imperialismo de Napoleão, que devastou a Europa – uma ironia suprema, que precisa ser explicada às crianças. Mas tudo o que elas aprendem é uma sequência de datas e nomes.
Um levantamento das principais questões do nosso sistema de ensino revela os seguintes fatos:
– Os cidadãos brasileiros de baixa renda têm grande dificuldade de acesso a uma educação de qualidade.
– Há um grande numero de analfabetos funcionais (22%) entre os alunos que terminam um curso superior. São pessoas incapazes de escrever ou compreender um texto simples.
– Nossos alunos obtêm péssimos resultados em exames internacionais, como o PISA.
– A doutrinação ideológica unilateral é quase onipresente nos sistemas públicos e privados.
– Nossa produção acadêmico-cientifica nacional é irrelevante no cenário mundial.
– O desperdício de recursos é a regra. Os livros didáticos dos meus filhos são ruins, caros (custam até R$ 200 cada exemplar) e sofrem mudanças mínimas todos os anos, para forçar os pais a comprar livros novos.
O resumo da história é que nosso sistema educacional não ajuda à grande massa da população a ter uma vida melhor, e nem colabora para o desenvolvimento do país. Mudar isso exige a disposição de enfrentar desafios significativos. O primeiro é olhar e tratar a educação sob a ótica do estudante, e não mais sob a ótica do Estado.
É fundamental questionar o fato de que toda a educação brasileira, pública ou privada, é regulamentada pelo MEC de forma extremamente centralizada, desde a educação infantil até a pesquisa e extensão universitária. O MEC controla até o Enem, e assim retira toda a liberdade das escolas de montar currículos acadêmicos individualizados, de acordo com as necessidades e desejos dos alunos e suas famílias.
É preciso também diferenciar ensino – que acontece nas salas de aula – de educação, que trata do desenvolvimento integral, pessoal e profissional de cada indivíduo. A educação não se resume à escola; há quem diga que nem passa por ela. Geert Hosftede, o sociólogo holandês, diz que a cultura é o software que instalamos em nossas mentes nos primeiros 10 anos de vida, e que isso acontece, principalmente, na família. A escola – pública ou privada – tem que servir à família, e refletir seus valores, necessidades e aspirações. Ao contrário do que disse uma procuradora, as crianças não pertencem ao Estado.
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É preciso identificar os exemplos a serem seguidos. Um texto importante do doutor em economia Adolfo Sachsida aponta o óbvio: é preciso colocar o foco no que é importante: saber ler e escrever, fazer contas e entender o básico sobre ciência. Sem essa base sólida, de nada adianta ensinar filosofia ou sociologia às crianças, ou mesmo uma língua estrangeira.
Sachsida aponta a necessidade de encontramos modelos de ensino que combinem simplicidade operacional com baixo custo. Exemplos de modelos assim são os Massive Online Open Courses (MOOCs) como a Khan Academy, o Udemy e o Coursera, que oferecem uma quantidade gigantesca de conteúdo de alta qualidade pela internet, a custo baixo ou sem custo algum. Precisamos prestar atenção às experiências de escolas livres de interferência do Estado, que funcionam com estruturas de baixo custo,como as escolas da Bridge International Academies e da Omega Schools, duas redes presentes na África, que oferecem ensino ao custo de poucos dólares por dia.
Precisamos prestar atenção aos EUA, onde o Estado não interfere nas escolas privadas- não impõe número mínimo de dias letivos e nem certificação de professores. Cada escola faz suas escolhas, e a competição leva, naturalmente, aos melhores resultados. Nenhum pai ou mãe vai colocar seu filho em uma escola com má reputação.
Precisamos convencer a sociedade que gastar 6% do PIB com um sistema de ensino que fracassa em seus objetivos mais básicos é uma loucura. Depois, precisamos trabalhar por uma reforma do sistema. A primeira medida da reforma é a desregulamentação do mercado educacional. O papel do MEC deve ser mínimo. Escolas privadas devem ter liberdade total para montar seus currículos e contratar professores da forma que acharem melhor.
A segunda medida deve ser a criação de mecanismos de financiamento público para escolas privadas, usando tanto o modelo de vouchers (que funciona como um “cheque-educação”, que os pais usam para matricular seus filhos onde quiserem) quanto modelos alternativos, como contratos diretos com escolas privadas através de Parcerias Público –Privadas (PPPs).
O Enem precisa acabar. Trata-se de uma ferramenta autoritária, usada para controlar o conteúdo curricular de todas as escolas. No lugar do Enem, cada universidade (ou grupo de universidades) terá o seu próprio exame, criando, naturalmente, uma diversidade de oportunidades para os alunos. Da mesma forma, precisamos criar sistemas privados de avaliação de escolas, para que os pais possam tomar decisões bem fundamentadas sobre onde estudarão os seus filhos.
O Brasil é um país para poucos, já disse um grande economista. É um país que gasta 7 vezes mais com alunos universitários do que alunos do ensino fundamental. Mas a maioria dos estudantes brasileiros não chega às universidades.
Inverter essa lógica requer determinação e coragem. Se a educação é mesmo a base de tudo, então é por ela que começaremos a virar o jogo – hipócrita e populista – de extrair recursos dos pobres para financiar os ricos.
E mudando o nosso sistema de ensino, mudamos o Brasil.