A vitória de Jair Bolsonaro trouxe um grande otimismo para o mercado financeiro. Poucas vezes se assistiu tanta euforia em meio a um cenário tão desafiador.
Defendia-se que a reforma da Previdência causaria uma “avalanche” de capitais no País e a cotação do dólar iria para a casa de R$ 3,50, em meio a elevada liquidez mundial. Os riscos do cenário internacional – baixo crescimento e estagnação do comércio global que gera valorização da moeda americana – e as fragilidades internas não foram devidamente considerados. O corte de juros pelo Fed, o banco central americano, anima os mercados, mas é paliativo. Será necessário o comércio mundial ganhar tração para se vislumbrar um novo ciclo de crescimento mundial. Não é para já.
Acreditou-se que os problemas fiscais seriam equacionados pela reforma, quando, na verdade o máximo que teremos nos próximos anos será a estabilização das despesas com Previdência como proporção do PIB. Os números insistem em denunciar a necessidade de mais medidas de ajuste fiscal para reduzir a rigidez do orçamento. Para estabilizar a dívida pública como proporção do PIB será necessário um ajuste fiscal de 4% do PIB. Felizmente esses diagnósticos estão muito mais claros.
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Projetava-se também uma sensível aceleração do crescimento ainda este ano. A fraqueza estrutural do País (parque produtivo tecnologicamente defasado, reduzido capital humano e infraestrutura precária), porém, se impõe: a economia está praticamente estagnada.
Subestimam-se os problemas da economia e, certamente, as dificuldades de execução de uma agenda de cunho liberal. Não há dúvidas que o intervencionismo estatal é veneno para o crescimento econômico e a igualdade de oportunidades. Sua remoção poderá gerar muitas transformações. Não convém, porém, subestimar a complexidade técnica das medidas, que adia o encontro de soluções, e tampouco a profundidade e a amplitude necessárias nessa agenda. Não é fácil eliminar tantos tentáculos estatais. O setor privado, ao mesmo tempo que sofre com a ação estatal, moldou-se a ela. Mudanças de regras de jogo, ainda que na direção correta, exigem cautela. O desafio da política é também enorme, até porque muitos temas são constitucionais.
A agenda liberal está em marcha. Temos visto avanços importantes em temas mais pacificados, como a introdução da idade mínima para aposentadoria e algumas medidas de desestatização cujos projetos estavam mais maduros. Há incertezas, porém, sobre a velocidade de avanço de temas mais complexos. A batalha da reforma tributária, por exemplo, não será fácil.
O investidor estrangeiro, por outro lado, tem sido mais conservador. A palavra é “conservador”, e não “pessimista”. O fluxo líquido de capitais excluindo trocas comerciais e pagamento de serviços voltou para o campo positivo (US$ 10,7 bilhões acumulado até junho). O investidor estrangeiro apenas se mostra mais seletivo diante das incertezas. Se por um lado houve saída de R$ 20 bilhões da Bolsa este ano, por outro, no primeiro semestre, houve um aumento da aquisição de títulos públicos de R$ 53,7 bilhões depois de três anos de recuo. Vale citar a participação predominante dos estrangeiros nos leilões de aeroportos. É verdade que a taxa de rolagem de empréstimos externos encolheu para 75% ante 93% em 2018, mas também em função de condições vantajosas para captação interna das empresas.
Ocorre que o cenário internacional tem ficado mais desafiador, gerando postura defensiva de investidores globais, contaminando o ambiente doméstico.
O momento é de reavaliação de cenários econômicos e, até que haja maior clareza sobre os riscos, teremos volatilidade. É particularmente desafiadora a combinação de juros baixos e incertezas e riscos elevados por conta do baixo crescimento econômico.
Reconhecer as nossas dificuldades é doloroso, mas é essencial para avançarmos. É a pressão do setor privado e da sociedade que molda a agenda política.
Fonte: “Estadão”, 22/08/2019