Desde que a economia do país começou seu descenso em 2013, a instabilidade política tem aumentado a passos largos. O ápice mais recente foi a facada desferida em Bolsonaro, um ato tresloucado que além de ferir o candidato fere a necessária continuidade democrática pela qual passamos nos últimos trinta anos.
Voltamos a ouvir aqui e ali de alguns generais a possibilidade de uma solução, digamos, menos democrática. O próprio candidato a vice de Bolsonaro, General Mourão, afirmou que um autogolpe em uma escalada de descontrole seria possível. Impensável acreditar que tais discursos antiquados ainda possam ser usados.
Mas para além da comoção nacional causada pelo atentado, é interessante ver a reação dos mercados nos dias seguintes. O que parecia ser uma possível ascensão segura dos candidatos de esquerda para enfrentar um abalado Bolsonaro no segundo turno virou do avesso. Agora, o candidato da extrema direita pode reverter parte de sua rejeição e ganhar alguns pontos nas pesquisas de opinião de segundo turno.
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Na visão do mercado, há chance de a esquerda não ganhar novamente. Essa possibilidade foi suficiente para acalmar o mercado nos últimos dias e uma taxa de câmbio que poderia começar a buscar patamares acima de 4,2 começou a se estabilizar em torno de 4,1 podendo ainda melhorar ao longo dos próximos dias.
A esquerda perder não significa que estaremos fora de perigo em 2019. A polarização certamente se manterá elevada e a questão relevante é o que a equipe econômica de Bolsonaro efetivamente fará caso chegue lá.
O programa do candidato é o sonho de qualquer liberal. Como todo sonho, pouco dali será viável. Privatizar em massa, vender todos os imóveis, capitalizar a previdência, cortar todos subsídios são propostas que o mais popular dos presidentes teria enorme dificuldade para fazer avançar. O que dizer de um presidente que terá popularidade prejudicada por sua personalidade naturalmente autoritária e avessa a concessões.
Tentar esse sonho poderá fazer perder tempo e nos levar ao arroz com feijão de política econômica que só fará piorar a crise. Era assim no período em que Maílson da Nóbrega passou pelo Ministério da Fazenda nos anos 80. Sem solução imediata para a crise, o jeito era gerir o dia a dia até a próxima eleição. Quem entrar em 2019 com ideias mirabolantes e inexequíveis será candidato a fazer o arroz com feijão que só aprofundará a crise.
A dificuldade de toda a história é que ali estávamos saindo do período militar. Por pior que a crise fosse, nem se discutia qualquer solução desse tipo. Não é o caso agora e preocupa a diluição de forças que não se entendem e especialmente com um candidato preso que insiste em não aceitar a legitimidade dessa eleição. Sua opção por negar o processo eleitoral alimenta militares com sonhos do passado.
Esse cenário de larga instabilidade institucional não necessariamente pode nos levar a uma militarização de fato, mas isso dependerá essencialmente de como a oposição se comportará no caso da vitória de Bolsonaro. Será uma oposição responsável ou uma oposição na base do grito. O PT, se perder, será o da época do FHC em que pedia impeachment do presidente dia sim e o outro também, ou será a oposição obviamente mais contida depois da derrocada de Dilma? Pelo andar da carruagem, o PT anda com saudades dos anos 90, não apenas no inflamado discurso político, mas também na agenda econômica, que andou passos largos para trás pelo que vemos dos discursos da equipe de Haddad.
Essa inflexão aos extremos que a sociedade parece tomar gosto nesta eleição terá o dom de também levar a economia novamente para extremos. Há uma enorme chance de a política econômica não conseguir entregar o que precisamos em 2019 e o país voltar novamente à lama. Para a maior crise fiscal da história, as equipes de alguns candidatos à frente nesse momento tergiversam.
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Pior ainda, diferentemente de quando Dilma entrou, quando havia necessidade de reformas, mas nada gritante como agora, a urgência da crise pode fazer com que algum tapa buraco saia. Estamos em um momento que talvez grandes reformas serão difíceis de acontecer, mas novamente remendos que apenas adiem o dia da verdade. Exemplo de remendo é optar por corte significativo dos gastos tributários com algum aumento de imposto para diminuir o déficit primário. Solução pífia, mas possível quando o governo não tem condições de seguir com o ajuste nos gastos. Já vimos esse filme quando a CPMF foi criada em 1997 e em diversas vezes quando o ajuste passava por aumento de impostos ao invés de corte de gastos.
Dirá o leitor que é impossível pensar em aumento de impostos nesse momento. De fato, o leitor terá que decidir que lobby é mais forte: o do setor público contra a reforma da previdência ou o setor privado contra o aumento de impostos. Dado o que temos visto nos últimos dois anos, parece haver ainda um vencedor claro nessa disputa, especialmente quando o presidente é politicamente fraco. Vejam a dificuldade que Putin está tendo na Rússia para aprovar o aumento da idade mínima de 60 para 65 no caso de homens, e 55 para 60 anos no caso das mulheres.
Nesse contexto, ainda não estamos em crise, mas me vem à cabeça a sutil e genial lembrança que Alberto Dines colocou no topo do Jornal do Brasil no dia seguinte à promulgação do AI-5. Em censura, dessa vez aberta, Dines descreveu o tempo no país: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Max: 38°, em Brasília, Min: 5°, nas Laranjeiras.” Que não precisemos mais de gênios criativos nos alertando subliminarmente o que se passa no país.
Fonte: “Exame”, 10/09/2018