Ao suspender a fiscalização da Receita Federal sobre a declaração de renda de 134 agentes públicos, o ministro do STF Alexandre de Moraes disse que fazia isso porque, entre outros motivos, não havia “qualquer indício de irregularidade por parte desses contribuintes”.
Pergunta: como o ministro pode saber que não havia indícios se ele não tem acesso às declarações daqueles contribuintes?
Ponto importante: só a Receita tem acesso às declarações e, portanto, só ela pode dizer se há ou não irregularidades, não importa quem seja o contribuinte, se um cidadão “comum”, digamos, ou um funcionário público, de qualquer escalão.
Os dados só chegam à Justiça caso sejam incluídos em algum processo, que não era o caso daquelas 134 fiscalizações. Portanto, estava tudo dentro da Receita e em fase de apuração. De novo, como poderia o ministro saber que não existia “qualquer indício” de irregularidade?
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De outro lado, o ministro encontrou sinais de coisa errada na ação dos auditores fiscais. Segundo Alexandre de Moraes, havia “indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal, que, sem critérios objetivos de seleção, pretendeu de forma oblíqua e ilegal investigar agentes públicos, inclusive autoridades do Poder Judiciário, incluídos ministros do STF”.
Como o ministro poderia saber disso tudo se o procedimento ocorria dentro da Receita?
Não por alguma via oficial. E de fato, o ministro soube do caso por dois vazamentos: o primeiro, de uma nota da Receita que explicava os métodos de fiscalização de agentes públicos; o segundo, indicando que um auditor trabalhava nas declarações do ministro Gilmar Mendes e de sua mulher, a advogada Guiomar Mendes. Houve também vazamentos sugerindo investigações envolvendo o presidente do STF, Dias Tofolli.
Daí a bronca do ministro Alexandre de Moraes. Para ele, ao que parece, a Receita não pode, de sua própria iniciativa, investigar autoridades do Poder Judiciário, muito menos juízes da Suprema Corte.
Não faz sentido. Os contribuintes, agentes públicos ou não, são obrigados a entregar suas declarações de renda à Receita. Segue-se daí que a Receita tem não a prerrogativa, mas o dever de checar essas declarações, todas elas.
Se alguns agentes públicos não pudessem ser fiscalizados, então deveriam estar desobrigados da entrega da declaração — o que seria um óbvio privilégio escandaloso. Ora, se eles são obrigados a entregar, então está claro que estão sujeitos à investigação e fiscalização. Seria igualmente escandaloso que ficassem imunes.
Diz, porém, o ministro Alexandre de Moraes que a fiscalização daqueles 134 agentes públicos estava sendo encaminhada sem “critérios objetivos de seleção”.
Pela nota da Receita Federal que explica esse tipo de investigação, havia, sim, critérios objetivos. Com poderoso software, impessoal, portanto, uma Equipe Especial de Fraudes começou passando o pente fino sobre 800 mil CPFs, incluindo agentes públicos, parentes, pessoas próximas, empregados, por exemplo.
Aí foi depurando essa malha fina, até limitá-la a contribuintes com renda não tributável acima de R$ 2,5 milhões e receita bruta de pessoa física acima de R$ 10 milhões. Pode-se discordar, mas se trata de um critério objetivo.
Mas o ministro diz que o procedimento era mal intencionado — ao pretender, “de forma oblíqua e ilegal”, investigar agentes públicos.
Mas cabe aqui outra pergunta: por que teria a Receita Federal criado um grupo especial para fiscalizar funcionários públicos?
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Sugiro um teste. Acompanhe, caro leitor, o noticiário atual. Duvido que encontre um dia sequer em que não apareça notícia de alguma maracutaia envolvendo funcionários dos mais diversos escalões.
A Lava-Jato apanhou a grande conspiração de políticos, empresários e agentes públicos. A partir desse exemplo, seguiram-se diversas investigações país afora, mostrando uma corrupção generalizada, de “pequenos” roubos até bilhões de reais.
A Receita pode cometer abusos? Pode, assim como qualquer outro órgão público. No caso da Receita, basta o contribuinte demonstrar lá o acerto de suas contas. Simples.
Duvido que o leitor encontre um dia sequer em que não apareça notícia de maracutaia envolvendo funcionários.
Fonte: “O Globo”, 08/08/2019