A nova rodada do Datafolha divulgada hoje confirma o quadro eleitoral que vem se consolidando desde que o PT sagrou Fernando Haddad seu candidato. A transferência de votos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua a render frutos e, a duas semanas do primeiro turno, os candidatos já gastaram praticamente todas as suas cartas. A dúvida, neste momento, está mais no segundo turno que no primeiro.
Resumidamente, a situação eleitoral é a seguinte:
1. Com uma média de 29% nas pesquisas até agora (já incluindo o Datafolha de hoje), mantida a melhora clínica verificada nos últimos dias, Jair Bolsonaro deverá passar ao segundo turno, ou pode mesmo vencer no primeiro (com probabilidades, de acordo com o site Polling Data, respectivamente de 97% e 3%);
2. Se passar ao segundo turno, o adversário que enfrentará será provavelmente o petista Fernando Haddad (média de 19% nas pesquisas; 86% de chance), ou talvez o pedetista Ciro Gomes (média de 12%, 14% de chance). No segundo turno, a probabilidade de vitória de Bolsonaro é de 51,6%, um pouco acima das chances de vencer no cara-ou-coroa.
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Isso significa que a tentativa de atrair o voto daqueles 25% que continuam indefinidos no primeiro turno começará a ceder espaço a um novo embate, as estratégias para o segundo turno, em que Bolsonaro enfrentará Haddad ou, com menor probabilidade, Ciro.
As pesquisas eleitorais permitem vislumbrar os principais campos de batalha: eleitores mais pobres, com menor grau de instrução. Embora Bolsonaro tenha voto consolidado nos eleitorados de nível superior e médio, o crescimento de Haddad tem se dado em ritmo maior que o dele, em especial no nível fundamental, de acordo com os últimos dados segmentados publicados por Ibope, Datafolha e FSB/BTG Pactual (três institutos que fazem segmentação).
Pela rodada anterior do Datafolha, depois de ganhar 10,5 milhões de votos entre eleitores de nível médio desde o final de agosto, o crescimento de Bolsonaro havia parado nessse segmento. Ganhou mais 1,2 milhão na nova rodada. Entre os mais instruídos, conquistara 1,5 milhão e, só nos últimos dias, voltou a ganhar 1,3 milhão. No nível fundamental, ganhou 5,4 milhões ao todo.
Haddad, por seu turno, obteve 10,9 milhões de votos no nível fundamental, 9,4 milhões no médio e 2,3 milhões no superior. Ao todo, incluindo a rodada de hoje, cresceu quase 23 milhões de votos, mais que os 20 milhões atraídos por Bolsonaro.
A análise da intenção de voto por renda conta uma história parecida. No Ibope, Bolsonaro bate Haddad com folga entre aqueles que ganham mais de 5 salários mínimos (41% a 13%), sua vantagem se estreita nos grupos de 2 a 5 salários (34% a 16%) e de 1 a 2 salários (26% a 17%), para transformar-se em desvantagem entre aqueles que ganham menos de um salátio mínimo (12% a 27%). Este último estrato tem a maior proporção de votos indefinidos (24%, ante 13% para o grupo mais rico).
A disparidade fica ainda mais flagrante quando se analisam as intenções de voto para o segundo turno. Na média das pesquisas Ibope, Datafolha e FSB, Bolsonaro bateria Haddad por uma vantagem de 3,6 pontos (ou 51,8% a 48,2% dos votos válidos). Entre eleitores de ensino médio, sua vantagem pula para 5,6 pontos. No superior, para 22,6.
Entre quem tem até 4ª série primária, ao contrário, é a vantagem de Haddad que vai a 18,3 pontos (na média entre Ibope e FSB – no Datafolha, cujos critérios são distintos, Haddad leva 8 pontos de vantagem entre os que têm grau de instrução fundamental). O contraste por faixas de renda é ainda maior, como revela a tabela abaixo:
De acordo com os números do Tribunal Superior Eleitoral (TS), há 67,9 milhões de eleitores no nível fundamental de instrução, 58,5 milhões no médio e 20,9 milhões no superior. Está no primeiro grupo a maior quantidade de votos volúveis e indefinidos.
Pelos últimos dados disponíveis do IBGE, 25,2% da população economicamente ativa com mais de 16 anos (103,6 milhões de brasileiros) ganha até 1 salário mínimo; 32,9%, entre 1 e 2; 19,9%, entre 2 e 5, e apenas 9,2%, mais de 5. Novamente, está nos dois primeiros grupos o grosso de eleitores volúveis e indefinidos.
A disputa no segundo turno será um confronto pela mente do mais pobre e menos instruído, cujo voto tem menos ideologia que interesse imediato. O lulismo o conquistou nas últimas eleições não em virtude de seu embate imaginário com a direita, mas graças a políticas sociais concretas, como Bolsa Família, ProUni ou Minha Casa, Minha Vida.
Desiludidos com Lula e o PT, muitos buscam alternativa. O discurso de Bolsonaro contra a corrupção, em favor do porte de armas e da linha-dura na segurança, teve eficácia para a conquista dos estratos médio e superior da sociedade. No inferior, a briga se dá noutros termos.
Não adianta atacar o espectro lulista nem o PT. Lula é venerado entre os pobres. Para ter mais chance que a de vencer no cara-ou-coroa, Bolsonaro precisará, paradoxalmente, convencê-los de que Haddad não é Lula, nem um mágico com o condão de tornar o Brasil feliz de novo.
P.S.1 (8h50): Probabilidades atualizadas às 8h50, para incluir os resultados do Datafolha de hoje.
P.S.2 (9h00): Para os interessados no voto útil: de acordo com o modelo estatístico do Polling Data, o candidato com maior chance de ir ao segundo turno e derrotar Bolsonaro é hoje Haddad (probabilidade de 38,6%, ante 7,5% de Ciro Gomes); o candidato com maior chance de derrotar Haddad é Bolsonaro (probabilidade de 44,9%, desprezível para todos os demais).
P.S.3 (10h00): Dados de nível de instrução atualizados à luz dos últimos resultados do Datafolha de hoje
Fonte: “G1”, 20/09/2018