A tragédia ocorrida no centro de São Paulo no feriado de 1º de maio remete a duas questões graves, esparsamente lembradas, mas que não estão na linha de frente do debate nacional. Em primeiro lugar, a questão das regiões centrais das grandes metrópoles brasileiras, que, com raras exceções, têm sofrido com a degradação da qualidade urbana e o esvaziamento econômico acentuado. O que acontece no centro de São Paulo se reproduz, em escalas diferentes, em quase todas as grandes metrópoles do Brasil.
Mas a gênese da tragédia está em um assunto mais árido, mas que diz respeito a todos os contribuintes brasileiros, que clamam por melhor aplicação dos recursos, e a todos os cidadãos, que reclamam pela má qualidade de serviços e baixa qualidade do gasto público: a gestão caótica que é realizada sobre o patrimônio da União. São centenas de prédios e terrenos em áreas nobres das grandes cidades brasileiras, subutilizados, abandonados ou negligenciados. Em qualquer empresa gestora de ativos a sua gestão poderia ser classificada como temerária, uma vez que os ativos se desvalorizam a olhos vistos, além de em alguns casos oferecer riscos à saúde pública, à segurança e ser âncoras urbanas de degradação em áreas que necessitariam do contrário.
Afinal, de quantos prédios ou propriedades imobiliárias o Governo Federal dispõe? E destas, quantas estão em plena utilização e quantas poderiam ser melhor aproveitadas, através de parcerias público-privadas, projetos inovadores com Governos de estados ou municípios, ou através de venda ou aluguel com transparência e preços próximos aos de mercado?
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É bem verdade que há um esforço para equacionar casos mais agudos, como o deste prédio do centro de São Paulo, que sofreu uma tentativa de leilão em 2015 pelo Ministério do Planejamento. Mas são tentativas pontuais.
Pois bem, na gênese da tragédia está a negligência de um proprietário relapso, sem condição de gerir apropriadamente o seu patrimônio e que encontra-se com dois problemas, que poderiam ser suavizados por meio de uma mudança de estratégia: um sério déficit financeiro estrutural, que possivelmente será vencido apenas a partir de 2022; e a necessidade premente de mudança de realidade nas áreas centrais de nossas grandes cidades – hoje, uma irresponsabilidade com cidadãos e proprietários.
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Está posto, portanto, um desafio e uma oportunidade para o Presidente e governadores que iniciarão em 2019: não apenas realizar a gestão inteligente dos ativos públicos, mas criar um sistema mais abrangente, transparente e que permita a utilização, alienação e interação de parte desses imóveis e espaços com a economia real e com a regeneração das áreas em que estão inseridos. A área de patrimônio merece prioridade, e não ser entregue a partidos ou “bases aliadas” como um bunker de poder político. A gestão negligente por vezes também acarreta tragédias humanas além daquelas que já naturalmente vêm do descaso contumaz na gestão do recurso público.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 04/05/2018