É possível recolocar o País no caminho do crescimento econômico com um presidente da República que tem uma vocação insuperável para criar problemas para si e para seu governo? Sim, é possível. A retomada do crescimento, da renda e do emprego depende da aprovação das reformas previdenciária, tributária e política. Se estivermos realmente dispostos a abrir mão das benesses do Estado patrimonialista, o Congresso Nacional vai aprovar as reformas. A classe política não é suicida. Quando o clamor das ruas é uníssono, ela se alinha ao desejo dos cidadãos. Mas neste momento ainda não temos votos suficientes para aprovar a reforma da Previdência no Congresso.
As resistências no Parlamento refletem a divisão no seio da sociedade. Existem os defensores da agenda reformista, os opositores e o “Centrão” – o bloco poderoso que defende as reformas em público, mas luta nos bastidores para manter privilégios e benesses de segmentos específicos.
A vitória das reformas depende fundamentalmente de nós, brasileiros, respondermos a três questões cruciais.
1) Você está disposto a abrir mão dos seus benefícios estatais?
Não é só a elite do funcionalismo público que desfruta privilégios e pensões concedidos pelo Estado. Quase todos os brasileiros gozam de benefícios públicos. O governo gasta anualmente R$ 400 bilhões em subsídios, isenções fiscais e benefícios que são distribuídos a empresários, agricultores, estudantes, artistas, ambientalistas, filantrópicos, pequenos e médios empreendedores, caminhoneiros, sindicatos, associações de classe e entidades do terceiro setor. Somos uma sociedade viciada em benefício estatal.
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Se quisermos mudar o Brasil, retomar o crescimento econômico e criar empregos, vamos ter de mudar de atitude e de comportamento. A desintoxicação da dependência das benesses do Estado exigirá sacrifício de toda a sociedade. Será preciso cortar benefícios, incentivos, desonerações fiscais e subsídios para eliminar barreiras, ineficiências e reserva de mercado, que atrofiaram nossa capacidade de empreender, competir e produzir sem dependermos do Estado. A política reflete os valores e aspirações da sociedade. Nossos comportamento e atitude são incompatíveis com as reformas de que o Brasil precisa. Temos de abandonar o discurso hipócrita de criticar os benefícios concedidos aos outros e defender as benesses que recebemos do Estado.
2) Você está disposto a abrir mão de certas crenças tribais para aprovarmos as reformas?
No mundo da polarização política, a opinião pessoal triunfa sobre os fatos e o interesse individual, sobre o bem comum. Um dos grandes problemas de construir o entendimento político em torno das reformas reside na leitura enviesada dos nossos reais problemas. O nosso viés pessoal influencia de tal forma o cérebro que obliteramos dados e evidências que parecem absurdos e fora de contexto quando eles conflitam com a nossa visão da realidade. Daí a dificuldade de compreender as demandas, os temores e os desejos dos que pensam diferente de nós. Repare a irracionalidade da conversa política entre amigos. Começa com uma afirmação categórica de que políticos são ladrões e termina exigindo que pratiquem atos heroicos – como votar propostas que podem arruinar suas chances de se reelegerem. Esperam que os políticos façam sacrifícios altruístas – porque as reformas são importantes para o País –, mas se esquivam de discutir qualquer renúncia de “direitos” e benesses que lhes são caros. Com essa atitude, o campo do diálogo torna-se estreito e as alternativas limitadas.
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Restam o embate, o confronto e a polarização, que só contribuem para minar as reformas e produzir mudanças superficiais, que nada alteram os incentivos perversos do sistema político. Assim, perpetuam-se os problemas e defeitos que condenam o Brasil ao círculo vicioso de baixo crescimento econômico e descrédito das instituições políticas.
3) Você está disposto a arregaçar as mangas e lutar pelas reformas?
É interessante notar a transformação de pessoas que abandonam a conversa de botequim e decidem se engajar na mobilização em torno das reformas. O movimento Apoie a Reforma (www.apoieareforma.com) é uma iniciativa alentadora da sociedade civil para mobilizar as pessoas em torno do esforço coletivo para debater e aprovar a reforma da Previdência. A participação de conversas com políticos, empresários, jovens e gente do terceiro setor em torno do debate de propostas, do entendimento dos reais desafios e da busca de alternativas concretas, produz resultados extraordinários: o surgimento de um entendimento comum do problema após a discussão exaustiva dos custos e benefícios das alternativas; o reconhecimento mútuo de virtudes e de diferenças legítimas, que precisam ser respeitadas para se construir uma proposta politicamente viável; e, por fim, a defesa convicta de uma proposta de cuja construção todos se sentem corresponsáveis. Assim, reformas que pareciam impossíveis de ser aprovadas – como foi o caso da reforma trabalhista e poderá vir a ser o caso da reforma da Previdência – são votadas no Congresso.
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As reformas políticas tornam-se viáveis quando temos coragem de discutir o problema sem minimizar os desafios das mudanças. Elas se transformam em votos quando temos consciência dos valores que precisamos preservar e das crenças e atitudes que temos de mudar para progredir e nos adaptarmos a uma nova realidade. O Brasil só vai enfrentar os seus reais problemas políticos, econômicos e sociais se formos capazes de dar uma resposta afirmativa e inequívoca a essas três perguntas. Chegou a hora de traduzir belas palavras em atos concretos que demandarão escolhas duras, decisões difíceis e medidas impopulares. Esse é o preço da transição do País que somos para o Brasil que queremos deixar para os nossos filhos.
Fonte: “Estadão”, 17/05/2019