Exploro, neste artigo, uma das razões alegadas para a “greve” dos caminhoneiros: a tributação dos combustíveis. A questão remonta à Constituição de 1988. Antes dela, combustíveis e lubrificantes, energia elétrica, minerais e serviços de transporte e comunicações eram tributados exclusivamente pela União.
Para ampliar a abrangência do então vigente ICM, os constituintes decidiram incluir aquelas bases no campo de incidência do imposto, que passou a denominar-se ICMS.
O fundamento da mudança seria a redução da cumulatividade do sistema tributário, conquanto o conceito seja inaplicável a tributos que não integram um mesmo ciclo impositivo.
Ainda na Constituição de 1988, proclamou-se ampla liberdade na fixação de alíquotas do ICM, em contraste com a alíquota uniforme do ICM, conforme estabelecia a Constituição. Curiosamente, a uniformidade de alíquota converteu-se em objeto de atuais propostas reformistas.
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Como é relativamente mais fácil cobrar tributo de energia elétrica, combustíveis e telecomunicações, os Estados optaram por fixar alíquotas completamente desproporcionais nessas bases, chegando a ultrapassar 30%, o que constitui um insólito recorde mundial.
Dados de 2017 mostram que a arrecadação nacional do ICMS, relativa àquelas bases, representa 48% do total (petróleo e combustíveis, 23%).
Esses porcentuais traduzem uma enorme e perigosa dependência, que inibe, no curto prazo, qualquer possibilidade de revisão da política tributária do ICMS.
No âmbito federal, os combustíveis restaram tributados pelo PIS/Cofins.
Desde 1978, os preços tabelados de combustíveis incluíam uma parcela denominada Frete de Uniformização de Preços (FUP), que objetivava equalizar os preços dos produtos, tendo em vista a diversidade de distâncias entre refinarias e postos de abastecimento.
Na década de 1990, houve uma grande desregulamentação do mercado, principalmente por força da eliminação do monopólio da Petrobrás nas atividades de comercialização e importação de combustíveis, daí decorrendo melhoria de competitividade, a despeito de aumento da sonegação e da adulteração de produtos.
Nesse contexto, foi extinta a FUP, sendo criada, entretanto, uma conta financiada por item integrante dos preços, denominado Parcela de Preço Específica (PPE), que bancava a diferença entre os preços de petróleo importado, em regime de monopólio pela Petrobrás, e o produzido no País.
A eliminação, em 2002, do monopólio da Petrobrás na importação implicava extinção da PPE, com perda de arrecadação, e desequilíbrio de tratamento tributário entre o combustível importado e o produzido domesticamente, pois este seria tributado pelo PIS/Cofins e aquele não.
A solução encontrada consistiu em estabelecer previsão constitucional (Emenda 33/2001) para instituição de uma contribuição de intervenção econômica (Cide) no setor.
As alíquotas da Cide poderiam ser diferenciadas por produto, o que permitiria conferir tratamento menos gravoso ao etanol, e alteráveis por decreto, do que resultaria imediato ajustamento ao instável mercado internacional de petróleo.
O produto da arrecadação seria destinado, inclusive, à concessão de subsídios a preços e ao transporte de combustíveis, de caráter compensatório às flutuações nos preços de combustíveis ao consumidor final.
O sucesso da Cide no combate à sonegação e estímulo ao etanol não teve correspondência na destinação dos recursos. Procedeu-se, igualmente, à alteração constitucional no ICMS incidente sobre combustíveis, prevendo alíquota uniforme e com a mesma flexibilidade da Cide. Essas regras, entretanto, jamais vieram a ser implementadas.
A Emenda Constitucional 42/2003, ao alterar o artigo 150, fulminou a flexibilidade da Cide. Já a Emenda 44/2004 estabeleceu a partilha da Cide com os Estados e municípios, comprometendo sua finalidade regulatória.
Portanto, os problemas na tributação dos combustíveis não têm explicação genérica, mas muito específica. Decorrem de opções erradas feitas na marcha da insensatez.
Fonte: “Estadão”, 07/06/2018