Entre as leis econômicas mais importantes e menos conhecidas está a que afirma que Nelson Rodrigues estava errado e que as unanimidades não são burras.
Explico: quando se trata de acordos econômicos (e políticos), as decisões são quase sempre por unanimidade entre os presentes, eis a sutileza que muda tudo.
Assim são os acordos parlamentares, os cartéis e os pactos sociais.
O principal defeito desses arranjos é que todos são construídos com o intuito de espetar a conta em alguém que não faz parte da conversa. Alguém como o contribuinte ou o consumidor, um interesse difuso e diluído, que raramente se vê representado nos conchavos e acordos feitos em Brasília.
Esta é uma das grandes doenças de nosso tempo, a tributação do ausente, por conta da falsos consensos.
No decorrer do tempo Brasília desenvolveu uma rara habilidade nesse assunto, e sempre exibindo em sua defesa uma unanimidade (ou ao menos uma maioria) apenas aparente e nada representativa.
O exemplo número um é a inflação, sabidamente, um imposto sobre o pobre, cobrado sem que tenha sido autorizado pelos devidos ritos legislativos e pelo qual ninguém se responsabiliza. Os senhores parlamentares entram em acordo sobre despesa e receita, a primeira muito maior que a segunda, e o Poder Executivo fecha a conta pintando pedaços de papel que as pessoas são obrigadas a aceitar em pagamento por mercadorias e serviços.
Antes de 1994 se descrevia esse tipo de dinâmica social como “conflito distributivo”, cuja solução era proporcionada pelos recursos gerados pela inflação, que funcionava como uma tributação do ausente, o excluído do sistema financeiro, o indefeso diante da inflação.
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Depois de 1994, e sobretudo depois da Nova Matriz, ficou claro que estamos diante de um outro tipo de conflito distributivo, aquele onde a tributação recai sobre outro ausente, ainda mais vulnerável, as crianças.
Como funciona?
A dinâmica orçamentária é a mesma da época da inflação, só que o déficit, ou o rombo, para usar o termo técnico, é coberto por dívida, não mais com papel pintado. Faz toda a diferença pois, para usar uma daquelas verdades monótonas de que é feita a ciência econômica, a dívida de hoje é o imposto de amanhã.
Ou seja, a dívida pública é uma espécie de imposto sobre a herança, ou um legado de novos impostos que deixamos para os nossos filhos.
Novamente estamos tributando um ausente, por miopia ou vilania mesmo, como se vê com clareza no debate sobre a Previdência.
As aposentadorias são maiores que o permitido pelas contribuições, de tal sorte que há um déficit que é coberto com dívida, e/ou com outros impostos (sobre a renda e sobre o faturamento das empresas) que faltam para cobrir outras atividades do Estado.
Há, portanto, um novo conflito distributivo em operação, e sua natureza é intergeracional: velhos explorando os jovens, seus próprios descendentes. O que era um imposto sobre o pobre, a inflação, agora, se transformou em uma contribuição a ser paga pelas crianças.
Esse país não devia ser descrito como cordial.
Mas, recentemente, uma CPI sobre a Previdência concluiu que não há déficit no sistema previdenciário brasileiro. Isso me faz lembrar que nunca houve uma CPI da inflação, a maior e mais duradoura desgraça econômica autoinfligida que o país já experimentou. Para ambas as situações, no Parlamento, há evidente intuito de negação, possivelmente a manifestação de um direito constitucional legítimo, o princípio do nemo tenetur se detegere, ou o direito de não produzir prova contra si mesmo.
Quem sentaria no banco dos investigados na CPI da inflação (além dos economistas heterodoxos, inocentes úteis de um processo social perverso) senão os senhores e senhoras que fazem as leis, inclusive orçamentárias, e o déficit?
Depois desta CPI da Previdência, ouvi uma oportuna sugestão de que deveríamos agora iniciar uma outra para investigar os atentados à matemática, ou sobre as razões pelas quais o Brasil permanece sendo o país do futuro que nunca chega.
Fonte: “O Globo”
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