Parece mesmo inexorável: políticas expansionistas ancoradas na expansão da dívida (pública e privada) obrigatoriamente se esgotam em algum momento do tempo, até mesmo na China. Na semana passada a agência de risco Moody’s fez um downgrade na nota de risco soberano da China, sendo esta a primeira redução em 28 anos. A percepção é de que o alto grau de alavancagem da economia, que cresceu de maneira extremamente elevado a partir da crise de 2008 (160% do PIB) para o patamar atual (260% do PIB), pode começar o comprometer fundamentos econômicos importantes e, pior ainda, desacelerar o crescimento da economia nos próximos anos. Acima de tudo, a redução na nota reflete a falta de clareza e a falta de boa vontade do governo chinês em diminuir a alavancagem da economia num ambiente onde o setor privado já começa a dar sinais de esgotamento (com número recorde de falências) e desaceleração.
Vale lembrar que o modelo desenvolvimentista chinês foi fortemente baseado numa participação estatal superlativa no investimento total, sempre às custas do endividamento público e privado. Projetos sem viabilidade econômico-financeira foram artificialmente “patrocinados” pelo governo sempre com duas premissas: 1) a primeira, de que um dia o crescimento econômico aceleraria o processo de êxodo rural e geraria um mercado consumidor urbano que seria então capaz de absorver tal produção e; 2) enquanto esse mercado consumidor urbano não se desenvolvesse, a economia chinesa seria majoritariamente exportadora (importadora de matérias-primas e exportadora de produtos acabados e semiacabados, com maior agregação de valor e, portanto, geradora de superávit na balança comercial capaz de retroalimentar o sistema).
Como exemplos dessa política desenvolvimentista irracional pode-se mencionar as fábricas de papel com altíssima capacidade produtiva inauguradas nos últimos 10 anos (que aceleraram o phase-out das fábricas européias, norte-americanas e canadenses) e até mesmo as curiosas “cidades-fantasmas”, financiadas com prazos de carência superiores a 40 anos e justificadas sob o argumento de que haveria demanda e ocupação futura em função do êxodo rural. Para quem tiver mais interesse sobre esse tema das cidades-fantasmas, sugiro o episódio chamado “China’s Ghost-Towns” do canal canadense Vice.
O fato é que, até mesmo para o tigre dos tigres, o longo prazo um dia chega. E chegou. Cedo ou tarde o governo chinês terá que intervir nos governos dos estados e das províncias, nas empresas públicas e num programa de recapitalização do setor bancário. A grande dúvida é o quanto esse reparo do setor financeiro custará para o restante da economia. Apenas como exemplo, o “ajuste” promovido no setor financeiro da Coréia do Sul logo após a crise de 1997 custou para aquele país mais de 30% do PIB. Se o mesmo raciocínio for aplicado ao caso chinês, essa conta chegaria a preocupantes 3,5 trilhões de dólares. Não duvidemos que o longo prazo um dia chega.
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