Sempre que examino o horizonte próximo das eleições presidenciais, não consigo dissociá-las dos rumos da Lava Jato num aspecto fundamental: a ruína dos maiores partidos brasileiros. O PT sofreu o maior impacto, com a prisão de Lula. PSDB e MDB arrastam-se em escaramuças jurídicas, sem perceber que também estão em decadência aos olhos dos eleitores.
Ambos tiveram seus operadores presos pela Lava Jato e soltos por Gilmar Mendes – Paulo Preto e Milton Lyra, respectivamente. No futebol costumamos dizer que o juiz quando apita uma falta de ataque inexistente na grande área, apita perigo de gol. Gilmar apita perigo de delação premiada, tentando evitar a derrocada total dos dois grandes partidos.
PSDB e MDB possivelmente respirem aliviados com operadores soltos ou mesmo, no caso de Geraldo Alckmin, com seu processo sendo retirado da competência direta da Lava Jato. Mas essa sensação de alívio momentâneo não leva em conta o fato de que tudo está sendo feito relativamente às claras, diante de uma opinião pública atenta. O desgaste é permanente e tende a crescer.
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A ruína dos três grandes partidos revela também um paradoxo nas eleições deste ano. Ao mesmo tempo que estão em queda, são eles que devem deter a maior parte dos R$ 2,6 bilhões destinados a financiar a campanha eleitoral.
Em cada um desses três grandes partidos há candidatos mais ou menos capazes de atrair o voto popular. Mas as siglas foram marcadas pelo processo de corrupção. Dificilmente qualquer de seus candidatos conseguirá neutralizar esse estigma.
Esse raciocínio leva muitos analistas a considerarem a hipótese de um outsider nestas eleições. Alguns enfatizam o perigo de uma crise maior no caso da ascensão de alguém “de fora do sistema político-partidário”.
Duas potenciais candidaturas passaram pelo noticiário como cometas: as de Luciano Huck e de Joaquim Barbosa. A razão de sua escolha era precisamente oferecer um nome de fora, alguém que não se tivesse envolvido com os grandes partidos e pudesse captar o desejo de renovação.
Isso não é inédito na política brasileira. Dirigentes do atual DEM tentaram algumas vezes convencer Silvio Santos a disputar as eleições presidenciais. De modo geral, estamos acostumados aos quase candidatos, aos que se aproximam, flertam com a campanha, mas voltam logo para suas carreiras na iniciativa privada.
A perda de legitimidade dos grandes partidos, no entanto, nem sempre conduz a um candidato absolutamente estranho à cena política. Fala-se muito na campanha de Emmanuel Macron, mas sob muitos aspectos, inclusive experiência de governo, ele era um insider.
As pesquisas revelam, por seu lado, uma grande tendência à renovação, algo que todos sentimos nas conversas de rua. Quando essa tendência existe, pode haver resultados devastadores para os partidos. Mas ela pode também ser transferida para o interior do sistema político-partidário.
Uma das tarefas é dissecar o que define o novo na política. O processo não deixa dúvidas de que um elemento essencial é a promessa de combate à corrupção. Nesse sentido, os candidatos terão de reelaborar aquele projeto assinado por mais de 2 milhões de pessoas e que foi trucidado na Câmara. Não era um projeto perfeito, continha artigos potencialmente discutíveis à luz da Constituição.
Não creio que os 2 milhões de brasileiros que assinaram esperavam que fosse aprovado na íntegra. Se isso acontecesse, poderíamos revolucionar o Brasil com abaixo-assinados.
Mas o que ficou claro é que desejavam uma política contra a corrupção e apontavam suas linhas mestras. Sua pergunta continua no ar: que resposta política institucional será dada ao trabalho da Lava Jato, reconhecidamente incapaz de, por si só, equacionar o problema de forma satisfatória?
Outro aspecto que também pode preencher o desejo de novidade é a capacidade do candidato de se aproximar do País real. Um dos dramas dessa distância entre políticos e realidade nacional é a crise de segurança pública. Há muitos anos se tornou evidente a organização do crime em nível nacional no Brasil, até mesmo com ramificações na América do Sul.
No entanto, apesar de tentativas tímidas, presidentes sempre consideraram a segurança pública algo que deve ser resolvido no âmbito dos Estados. Ambas, corrupção e segurança, são temas atraentes para a demagogia, porque seduzem os que esperam soluções milagrosas.
Um terceiro ponto da renovação é realmente intrincado para mim. Ela demandaria um certo nível de unidade nacional para reconstruir um País arrasado.
Mas quando as pesquisas aparecem, e o nome de Lula nelas, torna-se evidente que, nesse ponto, as preferências pelos extremos são mais numerosas. Em outras palavras, o chamado centro do espectro político não é visto como a alternativa de uma transformação.
Há, entre outras, duas formas de encarar essa realidade. Uma delas é encontrar uma base real nas pesquisas e concluir que o centro é incapaz de encarnar essas aspirações. A outra é admitir que em outros países o centro perde substância, como na eleição de Trump, nos Estados Unidos, e no Brexit, na Inglaterra.
Esses fatores, a crise brasileira e o processo de globalização, não são idênticos, mas revelam uma dificuldade comum às forças moderadas. A tentação é concluir que nada de novo surgirá da campanha.
Porém aí seria também subestimar a capacidade de novas ideias políticas surgirem no cenário. Talvez o novo não apareça com o frescor da pele de um bebê, mas se infiltre no que já existe, produza composições e mudanças imperfeitas que possam representar algum avanço.
Diante desse quadro, as esperanças não podem focar apenas em candidatos, mas na capacidade social de produzir algumas direções de que eles não possam fugir, ainda que imprimam nelas suas marcas e seus defeitos pessoais.
Fonte: “Estadão”, 18/05/2018