A definição do nome de Fernando Haddad como candidato do PT ao Planalto contribuiu para reduzir a incerteza que pairava sobre a eleição. Embora a maioria das análises fale num cenário ainda confuso, sobretudo porque baseadas numa leitura primitiva das pesquisas, a realidade já permite enxergar o tabuleiro eleitoral em tons mais definidos.
Em estatística, o contrário da incerteza (palavra cujo sentido é ignorado pela maioria dos que a usam) jamais será certeza. É risco. A incerteza traduz eventos inesperados (como um atentado), fatores impossíveis de medir (como uma candidatura indefinida). O risco pode ser medido na forma de probabilidades – e usado para interpretar a realidade.
Probabilidade, não é demais repetir, jamais traz certeza de nada, pois o cenário político é dinâmico e, até a apuração, a incerteza não desaparece por completo. É um absurdo lógico encarar pesquisas como previsões, dizer que instrumentos probabilísticos “erraram” ou acreditar que uma única avaliação da intenção dos eleitores tenha o condão de “acertar” o que se passará nas urnas.
Probabilidades são uma ferramenta para ler a realidade, a melhor que temos para lidar com eventos futuros, sobre os quais riscos e incertezas jamais deixarão de pairar. Numa eleição, elas nos ajudam a avaliar a consequência de cada voto. Um eleitor racional não deve tomar uma decisão na urna sem antes avaliar suas consequências probabilísticas.
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Qual a força das candidaturas?
Com o objetivo de ajudar o cidadão a usar de modo mais inteligente a informação das pesquisas, preparei um guia para a decisão racional de voto. Talvez o melhor fosse chamar de algoritmo, já que, uma vez da posse das características do eleitor, a decisão é quase mecânica.
Não há, nesse método, nenhum juízo sobre tais características. Se, adiante, exagero na caricatura dos diferentes tipos de eleitor, é apenas para pintar um quadro mais claro. Qualquer um, à direita, à esquerda, ao centro, adiante, atrás, acima, abaixo ou mesmo nos sentidos da quarta dimensão, poderá se beneficiar do algoritmo para exercer o dever eleitoral de modo mais informado.
Ou pode simplesmente achar que ele não serve para nada. Tudo bem. Não há nenhuma pretensão a aceitação unânime. Trata-se apenas de uma tentativa de trazer as luzes da razão para a névoa que costuma encobrir esse tipo de debate, de transformar, para usar uma frase célebre noutras circunstâncias, a confusão em clareza.
Para ilustrar os passos do algoritmo, usarei as últimas informações sobre as pesquisas, disponíveis no site PollingData, mantido pelo estatístico Neale El-Dash. Trata-se do melhor dos agregadores disponíveis para as eleições brasileiras. Ele nos ajuda a responder a duas perguntas.
Primeiro, calcula a média ponderada das pesquisas, levando em conta a data da sondagem (quanto mais antiga, menor o peso) e o viés sistemático dos institutos contra ou a favor dos candidatos (quase sempre resultado de metodologias distintas, não de manipulação).
Para a eleição presidencial, a base do PollingData reunia, até a última sexta-feira, 52 pesquisas de 12 institutos diferentes, num total de 134.038 eleitores entrevistados. A precisão desse tipo de média sempre corresponde melhor à realidade do eleitorado do que apenas um levantamento. Eis as médias para o resultado do primeiro turno atribuídas a cada candidato na sexta-feira:
Segundo, o Polling Data simula milhares de eleições a partir dessas médias, para calcular as probabilidades de um candidato passar ao segundo turno e de vencer. Atenção: probabilidades não correspondem ao percentual de votos. Uma pequena vantagem na média das pesquisas significa uma grande diferença probabilística. No segundo turno, estar apenas dois pontos à frente se traduz numa probabilidade de vitória bem superior a 50%. Na última sexta-feira, estas eram as probabilidades associadas à vitória de cada candidato:
Os modelos estatísticos adotados para calcular essas probabilidades costumam ter características próprias. Cada um tem suas qualidades e deficiências. Por isso mesmo, vale repetir que não se está fazendo uma previsão, nem mesmo fornecendo um retrato fiel da verdade. Está-se apenas apontando probabilidades de vitória caso a eleição fosse hoje, à luz da maior e melhor quantidade possível de informações. Outros modelos chegariam a resultados distintos. Qualquer um, não apenas o do Polling Data, serviria para ilustrar o algoritmo.
Eis, enfim, o método para votar de modo racional, na forma de questionário:
1) Sou um eleitor ideológico? – O eleitor ideológico se identifica plenamente com as propostas de um candidato, faz campanha por ele e está comprometido com sua visão de mundo. Não importa a qualidade da proposta. Importa a identificação ideológica. Pode ser a facilitação do porte de armas para combater a violência (Jair Bolsonaro), a ampliação dos gastos públicos para favorecer o crescimento (Ciro Gomes), as privatizações e a austeridade para combater a crise fiscal (João Amoêdo ou Geraldo Alckmin), a crença de que o impeachment de Dilma foi “golpe” ou de que a Operação Lava Jato persegue Lula (Fernando Haddad). Se você acredita que a vitória ou o crescimento eleitoral do candidato do seu coração é o mais importante, vá em frente: vote nele.
2) Sou um eleitor interessado? – O eleitor interessado é beneficiado diretamente por alguma proposta, como alguém cujo nome está no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e acredita que Ciro Gomes o tirará de lá, ou um funcionário público contrário à reforma da Previdência porque perderá privilégios em sua aposentadoria, ou alguém que vive de rendas e teme mudança na política de juros do Banco Central. Não se trata de um voto com o coração, mas com o bolso. Também não há muita dúvida sobre o que fazer: vote em quem defenderá seu interesse. É o que se espera na democracia.
3) Sou um eleitor pragmático? – O eleitor pragmático está menos preocupado em eleger o melhor que em evitar o pior. Costuma ser um defensor do “voto útil” – terminologia que identifica a escolha de um candidato com quem nem se identifica tanto, mas com mais chances de ajudar a derrotar aquele visto como mal maior. Nesse caso, o racional a fazer é avaliar as probabilidades de cada um dos adversários derrotá-lo. No quadro atual, essa situação se desdobra em três outros cenários:
3a) Não quero Bolsonaro de jeito nenhum! – Se você acredita que a candidatura dele é um Cavalo de Troia para a volta dos militares ao poder, que representa um risco para a democracia e os direitos humanos, que alguém não pode tratar daquele jeito mulheres ou gays, se está disposto a votar em qualquer outro para evitar que Bolsonaro chegue lá, então o melhor candidato – segundo os números de sexta-feira – para derrotá-lo é Ciro Gomes. Ele tinha 24% de chance de passar ao segundo turno contra Bolsonaro e vencer. Haddad, o segundo, tinha 16%. Marina, 5%. Alckmin, 5%. Votar em Marina ou Alckmin pensando apenas na derrota de Bolsonaro no segundo turno é um erro grave de leitura de cenário. Ainda que ambos possam ter chance maior no segundo turno, primeiro precisam chegar lá. Ciro e Haddad levam vantagem. Para vencer Bolsonaro, Ciro tem quase o quíntuplo das chances de Alckmin ou Marina. Haddad, o triplo.
3b) Não quero PT de jeito nenhum! – Se você acredita que a vitória de Haddad terminará de afundar o Estado brasileiro, que Lula governará nos bastidores, que o PT acabará com a luta contra a corrupção e a Operação Lava Jato, perseguirá os opositores, aparelhará o Judiciário, amordaçará a imprensa livre, representa um risco à democracia e transformará o Brasil numa ditadura como a Venezuela, se está disposto a votar em qualquer outro para evitar a volta dos petistas ao poder, então o melhor candidato – segundo os números de sexta-feira – é Jair Bolsonaro. Ele tem 20% de chance de passar ao segundo turno e derrotar Haddad. A probabilidade de que Alckmin faça isso é, para todos os efeitos, zero. Para Marina e Ciro, nem sequer pode ser calculada, tão recente é a candidatura Haddad.
3c) Não quero nem PT nem Bolsonaro! – Pelos mesmos motivos do item 3a), o voto mais racional é Ciro. Você sempre pode escolher qualquer outro ou mesmo, por motivos atinentes aos itens 1 e 2, votar nulo. É importante saber que, matematicamente, um voto nulo reduzirá menos as chances de vitória do PT ou de Bolsonaro do que o voto em qualquer candidato – e aquele que reduz mais é Ciro.
Essencial repetir que as probabilidades variam com o tempo. É bastante provável que, até o dia da eleição, elas tenham mudado. A campanha é dinâmica. Alckmin pode passar Ciro, Haddad pode passar Bolsonaro, ou todos podem cair. Tudo pode acontecer. Neale diz que manterá o PollingData atualizado até a última pesquisa antes da eleição. O ideal é, antes de sair para votar, dar uma olhada nas probabilidades mais recentes para não desperdiçar o momento crucial da democracia. Também as manterei atualizadas, aqui no blog ou lá no meu Twitter.
Fonte: “G1”, 17/09/2018