Após eu ter publicado, no dia 6 de março passado, o artigo Um Amor Ingrato na Gazeta do Povo, tive um diálogo interessante com dois jovens que pensavam criar um negócio próprio, para não dependerem de emprego assalariado. No artigo referido, falei que a formação universitária com ênfase na empregabilidade direciona o estudante para o emprego assalariado, que tem suas vantagens, mas submete o empregado às agruras do mercado de trabalho, com suas crises, o desemprego e a difícil sobrevivência no mundo corporativo.
Falei também que nada há de errado com o trabalho assalariado, mesmo porque o sistema precisa de patrões e empregados. O problema é a falta de emprego com salário fixo para todos os trabalhadores do mundo. Em face do excesso de trabalhadores em relação a quantos a estrutura econômica consegue absorver, o desemprego se torna uma constante e os salários médios caem. Então, o ideal é a formação profissional que ensine as bases da empregabilidade e, também, do empreendedorismo, pois, sobretudo nas crises de emprego, aumenta o número de pessoas que tentam a vida com negócios próprios.
Ouvi os dois jovens e sugeri que meditassem sobre uma questão importante: o número de empresas que abrem e fecham antes de completar cinco anos é imenso, logo, é necessário pensar a respeito, entender o porquê e adotar estratégias para durar. De início, sugiro pensar sobre a pergunta: você tem um produto? Isto é, você tem um produto capaz de resolver um problema ou atender uma necessidade? Produto é um bem ou serviço com capacidade de ser transformado em mercadoria. Mercadoria é um produto para o qual haja demanda, há quem queira ou necessite dele.
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Dei-lhes um exemplo. Pensem no tenista Rafael Nadal e no alpinista João de Tal. Ambos são atletas e amam seus esportes. Nadal é um tenista de altíssimo nível. João de Tal é um craque em escalar altas montanhas. Ambos têm custos para produzir suas atividades: preparador físico, orientador técnico, nutricionista, equipamentos, treinamento, viagens etc. Como são muito bons no que fazem, eles resolvem transformar sua destreza em um negócio.
Rafael Nadal ganha milhões com os direitos de transmissão e já ficou rico. João de Tal não encontra um único jornal, televisão ou rádio disposto a pagar para transmitir sua escalada de montanhas, continua pobre e com prejuízo. A razão é simples: há milhões de pessoas dispostas a pagar para ver um jogo de tênis, ao vivo ou pela TV, e as televisões pagam caro pelo direito de transmitir as partidas. Nadal pratica um esporte que é um produto, uma mercadoria de alto valor no mercado. Por sua vez, João de Tal não encontra ninguém disposto a pagar para ficar na frente da TV vendo alguém passar horas escalando uma montanha. Então, João tem um hobby, mas não um produto, não tem uma mercadoria.
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Então, a pergunta é: você tem um produto ou apenas um hobby? É grande o número de empreendimentos que vão à falência porque o titular tem um hobby, mas não consegue transformá-lo num produto vendável. Outra pergunta importante é: quantas vezes um cliente que comprar em sua loja voltará? Pense no sujeito que monta uma loja para vender alianças de casamento. Ele pode ter cinco mil modelos de alianças, a maioria dos casais entrará em sua loja uma única vez na vida, no máximo duas ou três. Se você andar pelos shopping centers verá muitas lojas desse tipo.
Não tenhamos dúvida, o tamanho do estrago provocado pelo coronavírus na economia vai ser gigantesco. O Brasil, que já tem alto desemprego, verá outros milhões perderem seus empregos. E milhões de pessoas tentarão montar negócios próprios. Mas, lembre-se: você não é empreendedor apenas porque deseja sê-lo. E mesmo que você tenha alguns atributos típicos do empresário, é preciso estudar, fazer cursos, pedir ajuda (aí está o Sebrae treinando milhões de micros e pequenos empresários).
O Brasil vai precisar de muitos e bons empreendedores, se possível com negócios que durem muito. Essa crise não tem pai nem tem pátria: é mundial. Precisamos estudá-la e tirar lições dela. As crises e os erros ensinam muito, desde que sejam examinados e compreendidos. Mais do que nunca é hora de lutar e voltar a crescer. O país precisa disso mais do que nunca.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 20/03/2020