A greve dos caminhoneiros, além de ter afundado a atividade em maio e junho e pressionado a inflação no curto prazo, trouxe à tona os riscos eleitorais mais cedo do que se imaginava. A disparada do câmbio tem a ver com isso, pois a crise despertou o risco de que candidatos extremistas pudessem avançar.
Mas passada a turbulência, há um certo ar de normalidade voltando. Não que a economia conseguirá recuperar totalmente o que se perdeu desde maio, mas parece haver certa tendência de estabilização no clima negativo que se criou em maio. Alguns dados como os de consumo de energia e vendas de automóveis, ambos no cômputo diário, têm mostrado resiliência significativa. Há algumas dificuldades na leitura dos dados de junho com os semi-feriados por conta dos jogos do Brasil. Por exemplo, a venda de veículos caiu pela metade no dia do segundo jogo, uma sexta, o que juntando ao último jogo da primeira rodada significará um dia inteiro perdido em junho.
Há sinais de algum impulso mínimo que possa acontecer nos próximos meses pelos R$ 40 bilhões disponíveis do PIS e os cerca de R$ 12 bilhões que os bancos devolverão dos planos econômicos dos anos 80. São números que se aproximam do impulso gerado pelo FGTS ano passado, ajudando, na verdade, que o consumo não piore muito. No final, mesmo com esses estímulos, o crescimento ainda fica na casa dos 2% para baixo, aumentando os riscos de um governo populista aparecer.
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O cenário fraco aqui dentro é reforçado por um exterior nada favorável. A decisão de Trump de ir em frente com a guerra comercial tem dado sinais preocupantes de aumentos contínuos de tarifas nos próximos meses, a começar com os US$ 50 bilhões contra a China a iniciar em julho. A ameaça de aumentar esse valor para US$ 200 bilhões e o processo acelerado de desmantelamento do Nafta tem causado forte ruído nas bases comerciais lançadas no pós-guerra.
O interessante é que tal guerra comercial é francamente contra os interesses dos próprios americanos. A base de tarifação será em quase 95% concentrada em bens de capital e bens intermediários, afetando a cadeia de produção americana em cheio. Além disso, mais de 60% das empresas afetadas dentro da China não são chinesas, mas multinacionais estrangeiras, em sua maioria americanas. No caso de computadores, quase 90% das empresas impactadas não são chinesas.
A falta de entendimento básico sobre comércio pela equipe do presidente Trump vai fazer com que decisões como a tomada pela Harley-Davidson avancem. A empresa decidiu escapar do aumento de tarifas de 6% para 31% imposto pelos europeus aumentando a produção para exportação em outras plantas. Isso deve continuar a ser feito dado que a base industrial americana já é diversificada em outros países. Como era esperado, tal tipo de imposição vai gerar no final menos empregos e preços mais elevados.
A dificuldade é Trump entender que esse caminho não leva a uma boa solução, o que é reforçado por uma equipe que pensa igual ao presidente. O drama é que o partido republicano fica de certa forma de mãos atadas. Boa parte dos financiadores do partido sofrerão com o aumento de tarifas, como já se vê pela movimentação da família Koch de financiar propagandas nas TVs americanas contra o aumento de tarifas.
O problema é que esse é um problema do partido republicano com o qual Trump nunca se deu bem. Isso porque as decisões de tarifas são prerrogativas do Executivo. As decisões foram baseadas em ordens executivas pela acusação de estarem afetando a segurança nacional americana e aquelas, ao longo das últimas décadas, foram colocadas na alçada exclusiva do presidente para decidir. Talvez nunca imaginassem que um presidente fosse seguir tal caminho.
A China também tem enfrentado seus dilemas, com o mercado acionário chinês piorando nas últimas semanas. Isso em parte decorre da guerra comercial, mas principalmente porque os chineses decidiram apertar a regulação do shadow finance que havia crescido intensamente nos últimos anos. Isso tem feito empresas aumentarem default de bonds além das taxas longas começarem a aumentar mais rapidamente. Há um certo ar de crescimento mais fraco do que se poderia ter, mas ao menos parece ocorrer por motivos saudáveis, que é a regulação de um mercado que poderia trazer instabilidade financeira no futuro. De qualquer maneira, os riscos da guerra comercial tendem a afetar os chineses se for ampliado como prometido por Trump. Tenderia a afetar quase toda a base exportadora para os EUA.
Na Europa, os dilemas políticos voltaram, com Merkel e May se enfraquecendo na Alemanha e Inglaterra e a Itália com sinais claros de que a solução política encontrada terá dificuldade na condução da economia. A Liga Norte quer cortar impostos e o Movimento Cinco Estrelas quer aumentar gastos. Em um país com dívida em 130% do PIB não parece ser o caminho mais seguro a seguir. Tal combinação tende a gerar stress e acabar levando a novas eleições em curto espaço de tempo. Qualquer liderança que se siga de um desses grupos pode ser ainda pior do que a sensação de paralisia que esses dois polos passam ao se unir para governar. De qualquer maneira, a Europa voltou a ser elemento de atenção depois de um 2017 excelente na economia.
A América Latina está tendo seu quinhão de intempéries. Depois da queda relativamente suave do presidente peruano e a solução liberal na Colômbia, ainda há riscos pela frente com o enfraquecimento de Macri na Argentina e a eleição de Obrador no México, que, travestido de “Lulinha paz e amor”, ficará a comprovar se será o Lula liberal de 2003 ou o Lula populista do segundo mandato.
Qual a solução para tamanhos desajustes em conjunto? Talvez não haja a curto prazo. Nesse momento, mais do que nunca, o mundo, e especialmente os EUA, descobrem que não é apenas a economia que comanda, mas a má política pode ser tão devastadora ao se permitir que líderes centralizadores e populistas ganhem espaço.
Fonte: “Exame”, 27/06/2018