Aos poucos, e à força, os brasileiros vão se especializando. Além de 200 milhões de técnicos de futebol, discutindo táticas, escalações e estratégias, também nos tornamos especialistas em novelas, todos entendem de interpretação, roteiro, tramas, se identificam com personagens e lutam por eles.
Tivemos que nos especializar em economia no duro aprendizado de incontáveis crises. Agora todos entendem de inflação, câmbio, juros, e debatem os números da economia como se fossem futebol ou novela.
De política, todos entendem, têm profundas convicções, soluções para todos os problemas. As causas mais nobres.
Agora, todos entendemos tudo sobre leis e sua aplicação. Nos tornamos juristas amadores e discutimos decisões de tribunais como se fossem futebol, novela ou eleições. Com mestres como Gilmar, Dias Toffoli e Lewandowski, formamos péssimos juristas de araque.
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Nelson Rodrigues reclamava que, em tempos passados, os idiotas vocacionais e as bestas quadradas tinham um certo pudor em dar opiniões, sabiam de sua estupidez e conheciam seu lugar, mas, na alvorada da era das comunicações, estavam dando opinião sobre tudo, orgulhosos da própria burrice. Imaginem Nelson na era da internet… rsrs
Um cínico nelson-rodrigueano diria que, no Brasil, os competentes raramente são honestos; e os honestos e incompetentes, com sua burrice e boas intenções, dão mais prejuízo que os ladrões.
Ninguém tem culpa de ser burro, nem qualquer mérito em ter nascido inteligente ou bonito de fábrica. Mas a burrice é perigosa, se convence de soluções fáceis para problemas complexos, se aferra às suas convicções como verdades absolutas, é impermeável a razões e argumentos, e até a números e evidências científicas.
Sim, inteligência não tem nada a ver com ignorância, e Lula é a melhor prova disso, em contraponto às manadas de burros ilustrados no meio acadêmico. Mas o que é pior: a inteligência voltada para o mal, pelo seu maior potencial de danos, ou a burrice bem-intencionada e voluntarista, pelos desastres que provoca?
“São cegos guiados por loucos rumo ao abismo”, diria o Rei Lear, se vivesse no Brasil.
Fonte: “Globo”, 13/07/2018