Não há brasileiro consciente que não perceba que, se não houver uma reformulação estrutural na administração pública, o País é o mais forte candidato a seguir a desastrosa trilha de Maduro, o tiranete venezuelano.
Com uma dívida pública explosiva, que pode chegar a 80% do PIB no fim do ano e poderá ultrapassar a dos países desenvolvidos em 2022, pois beirará os 100%, se não houver correção de rumos, visto que há uma ligeira queda nos indicadores das nações desenvolvidas; e com um déficit público financiado pela tomada de recursos no mercado, o que poderá ser cada vez mais difícil no futuro, o quadro é preocupante, justificando o contínuo rebaixamento brasileiro pelas agências de rating. É de lembrar que tais recursos não voltam em investimentos ou obras sociais, mas servem fundamentalmente para financiar a esclerosada burocracia estatal, a renitente corrupção e o fantástico desperdício de recursos em ações sem propósitos desenvolvimentistas – situação agravada por uma carga tributária superior à dos EUA, do Japão, da Coreia do Sul, da China, da Suíça, do México e à da esmagadora maioria dos países emergentes. Por essa razão, cidadãos conscientes percebem que, se não houver um projeto de austeridade pública e de reformas estruturais, a rota para o abismo é uma realidade.
É bem verdade que estava o País quase saindo da inacreditável crise de corrupção e incompetência dos 13 anos dos governos anteriores quando uma cinematográfica, mal conduzida e insustentável operação do anterior procurador-geral da República paralisou a nação em dois pedidos de impeachment, rejeitados, a partir de uma mal explicada atuação de membro do parquet até então ligado ao chefe da Procuradoria-Geral da República e de delações premiadas hoje em plena revisão. Tal desastrada ação paralisou o País, deixando o presidente da República sem condições de implementar as reformas necessárias, tendo apenas, por já aprovada, escapado a reforma trabalhista.
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As reformas previdenciária, tributária, burocrática (administrativa), do Judiciário e política foram enterradas, não conseguindo o governo federal sensibilizar os futuros candidatos à Presidência a encampá-las.
Neste ínterim, de terra de ninguém o Brasil passou a conviver com estranhas performances dos principais atores políticos e da administração pública.
Os candidatos, para não se comprometerem com temas polêmicos mas necessários, abandonaram, uns, o governo, e outros – exatamente os que demonstraram maior desconhecimento de finanças públicas, de respeito à lei, de economia e da realidade internacional – passaram a tripudiar sobre as reformas pretendidas.
À evidência, qualquer que seja o presidente eleito, se não quiser ser tão incompetente como Nicolás Maduro, terá de fazer as reformas necessárias a um custo político muito maior do que se tivesse apoiado aquelas propostas no ano passado.
A dois meses e meio, porém, das eleições, nenhum dos candidatos apresentou um verdadeiro projeto para o Brasil, alguns, inclusive, apenas sugerindo voltarmos ao século 19 e à luta marxista de classes.
Por outro lado, o Poder Judiciário, que ganhou visibilidade pública graças à TV Justiça – nos países desenvolvidos os debates judiciais, por serem técnicos, não são televisionados –, apesar da competência e da cultura dos ministros do pretório excelso, passou a exercer um protagonismo político antes inconcebível, sem ter para tanto representação popular ou ser vocacionado à política. Assim, assuntos típicos de administração pública, pertinentes ao Executivo ou de produção legislativa, própria de Parlamento, foram tratados muitas vezes monocraticamente, com impacto na gestão da coisa pública. Executivo e Legislativo, acuados por outros atores ávidos por exposição na mídia, tiveram seus agentes preocupados com sua defesa contra as acusações, muito mais do que com administrar e legislar.
É bem verdade que contra esta assunção de competências que não tem, apesar de exercer o Ministério Público função essencial à administração da Justiça, vem a Suprema Corte limitando o excesso de protagonismo, devolvendo aos delegados de carreira a função de polícia judiciária que lhes dá a Constituição (art. 144, § 4.º), permitindo-lhes firmar delações premiadas e responder diretamente ao magistrado, para quem atuam como vestíbulo das possíveis ações penais.
O certo é que neste quadro de excesso de protagonismo individual, instalado nos Três Poderes, e de falta de proposições consistentes por candidatos, em face do receio de indispor-se com segmentos da sociedade, o Brasil é uma nação à deriva, onde os Três Poderes são desarmônicos e sem real independência constitucional.
Creio que chegou o momento de a sociedade, por meio de suas instituições privadas, principalmente as dedicadas à reflexão política, econômica, jurídica e social, onde melhor se detectam os reais problemas nacionais, manifestar publicamente, por seus maiores expoentes, desvinculados de uma ambição política imediata, o que o Brasil efetivamente necessita, colocando na mídia seus pontos de vista, suas preocupações, suas ideias e suas propostas de soluções, a fim de que o vazio das propostas conhecidas até o presente seja substituído por algo que possibilite tirar o País da crise.
E não excluo a discussão ampla do papel do Brasil na crise econômica mundial gerada pelo presidente Donald Trump, que aparentemente beneficiou os EUA, num primeiro momento, mas que pela guerra comercial que está provocando acarretará problemas, no curto prazo, para o mundo e, no médio e no longo prazos, para os EUA. Apesar de o País estar entre as dez maiores economias do mundo, o certo é que o Brasil tem menos de 2% do comércio mundial, correndo um grave risco de, se o futuro presidente errar na fórmula a ser adotada, despencar nas preferências internacionais, por falta de segurança jurídica, planejamento econômico, estabilidade política e competitividade empresarial.
Fonte: “Estadão”, 26/07/2018