A cada ciclo político, desde que havendo alternância de poder, são novos atores a se tornarem protagonistas e comandarem a cena econômica do País. Nos treze anos de ciclo lulo-petista foram a turma da Unicamp, da UFRJ e assemelhados, a darem as cartas nas decisões de política econômica e das principais estatais, com destaque para o BNDES. Tivemos, neste período, a malfadada “nova matriz econômica”, caracterizada pelo resgate de políticas fiscais ativas e anticíclicas, na qual a ordem era estimular a demanda agregada pelo lado dos gastos do setor público.
Vários foram os diagnósticos e decisões nestes anos, que acabaram se mostrando desastrosos, como no caso dos repasses do Tesouro para tentar injetar crédito no setor privado, via BNDES e outros bancos públicos. Decorrência disso, a dívida bruta do governo geral deu um salto entre 2014/15 e 2017, passando de 65,3% do PIB para 74%, neste ano já em torno de 77% (desde junho). Cerca de R$ 430 bilhões foram repassados aos bancos públicos, que acabaram se vendo numa situação de “empoçamento”, pois havia crédito, mas não haviam tomadores. Vivíamos uma brutal crise de confiança, com todos, famílias e empresas, retraídos pelo ambiente de incerteza reinante. Ninguém sabia para onde ia o governo Dilma.
Foi um período marcado por intervenções do Estado, erráticas e pesadas, o que gerou um desbalanceamento entre o setor público e o privado, um crowding out, na qual a despoupança pública sugou recursos que poderiam estimular o setor privado. Predominou então a “dominância fiscal”, pelos excessos de governo, o que só fez gerar inflação, juro mais elevado e câmbio desalinhado. A economia brasileira mergulhou no maior surto recessivo da sua história, entre 2014 e 2015, com o PIB recuando cerca de 6,8%.
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Eram os heterodoxos tentando aplicar suas terapias alternativas, através da corrente teórica conhecida como “neo-desenvolvimentismo”, oriunda da turma de Campinas, mas que acabou naufragando junto com o governo Dilma. Nem Joaquim Levy conseguiu dar um jeito na gestão econômica. Não conseguiu seguir adiante, tal a quantidade de críticas do PT e em dezembro de 2015 acabou saindo. Assumiu mais um heterodoxo, Nelson Barbosa, que, a exemplo de Guido Mantega, antes de Levy, pouco conseguiu avançar nos ajustes da economia. Ainda tivemos uma política industrial desastrada, dos chamados “campeões nacionais”, com muitos empréstimos suspeitos do BNDES, uma forte descapitalização do setor elétrico, até chegarmos nas “pedaladas fiscais”, justificativas para o impeachment de Dilma.
Saiu ela, assumiu Temer, que começou formando uma equipe econômica de excelência, com Henrique Meirelles no comando da Fazenda, depois substituído pelo seu secretário Eduardo Guardia, Ilan Gosdfajn no Bacen, Mansueto Almeida na Secretaria de Política Econômica e tantos outros nomes da área econômica. Conseguiram aprovar a PEC do “teto dos gastos”, derrubaram a inflação e colocaram o juro no menor patamar em muitos anos (6,5%). Novos ajustes poderiam ocorrer, mas Temer acabou engolfado por denúncias de corrupção e a reforma da Previdência sendo adiada.
Tivemos a eleição deste ano, Jair Bolsonaro eleito e vamos observando um novo olhar da equipe econômica, bem mais ortodoxa, liderada por Paulo Guedes. Os nomes indicados, muitos do mercado financeiro, outros da velha guarda da FGV do Rio de Janeiro, vão sendo anunciados. Roberto Campos Netto, habilidoso executivo do mercado, vai para o BACEN, Mansueto acabou confirmado na Secretaria de Tesouro, Joaquim Levy para o BNDES, com muitos achando um downgrade, mas outros acreditando que ele pode se transformar num coringa, fazendo sombra a Paulo Guedes. Rubens Alves acabou confirmado no BB, Roberto Castello Branco na Petrobras e vai se formando a espinha dorsal da área econômica.
O que deve ser anunciado por esta turma? Ninguém sabe ao certo. Comenta-se sobre um agressivo programa de privatizações a ser conduzido por Salim Mattar, uma reforma da Previdência possível diante do ambiente político em transição (ou formação), cortes de despesas e nada de novos impostos.
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Um estudo, divulgado por uma turma de economistas mais pragmáticos, da FGV e outros, lança novas luzes sobre o que deve ser a política econômica do novo governo por estes quatro anos.
Coordenado pelo economista da FGV, Claudio Frischtak, um documento de propostas de políticas públicas para o novo governo foi anunciado por estes dias. Foram 110 signatários, dentre os quais, Alexandre Schwartsman, Bernard Appy, Cláudio Considera, Elena Landau, Fabio Giambiagi, Gustavo Loyola, José Júlio Senna, José Márcio Camargo, Manuel Thedim, Otaviano Canuto, Samuel Pessôa, dentre outros.
Resolvemos discorrer um pouco sobre esta agenda mais pragmática, por ser justamente a que consideramos a mais apropriada para o momento que o País vive.
São 13 diretrizes gerais, em quatro grandes áreas: macro e microeconomia, social, segurança pública e ambiental. Segundo os autores, sem reformas não existe salvação. E a Reforma da Previdência se insere como uma das mais importantes transformações estruturais, embora pouco mobilizando o “núcleo duro” do atual governo eleito. Explicações são fáceis de encontrar. Como mexer com o maior foco de desequilíbrios dos servidores públicos, as pensões dos militares e seus vários penduricalhos?
Na macroeconomia temos o seguinte: Autonomia do BACEN. Aqui pode estar uma das razões para Ilan Godfajn não ter continuado no banco. Boatos eram de que a autonomia do BACEN não foi à frente por interferência de núcleo duro do novo governo. Importante será, no entanto, firmar o banco como autônomo e cada vez mais transparente aos olhos do mercado.
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Responsabilidade fiscal. Para esta turma, o ajuste fiscal passa pela reforma da Previdência, diante dos “imperativos demográficos, de equidade e sustentabilidade fiscal”.
Outros ajustes foram colocados na mesa, como “a Reforma Administrativa para ajustar os gastos do Estado com pessoal e custeio, e uma reforma patrimonial, centrada na desestatização de empresas públicas e na venda de ativos”. Falou-se também da Reforma Tributária, pautada na “uniformização e simplificação da tributação do consumo, da renda e da folha, e revisão dos regimes simplificados de tributação para elevar a produtividade e melhorar a distribuição de renda”; Integração do país nas correntes de comércio, investimento e inovação. Aqui temos uma das bandeiras de Guedes, no lento processo de abertura comercial, para Edmar Bacha e Gustavo Franco, a “mãe de todas as reformas”.
Na microeconomia falou-se do fortalecimento da segurança jurídica, previsibilidade regulatória, ambiente de negócios mais favorável, agências de regulação despolitizadas, etc. Por fim, numa ativa política social, com redução da linha de pobreza, reestruturação do regime previdenciário e uma ampla reformulação da Educação. São recursos abundantes, em torno de 6% que precisam ser melhor utilizados. O problema, portanto, nesta área, e em todas outras do governo, não é a falta de recursos, mas a má qualidade no uso destes. Por fim, na proposta, falou-se também de segurança e meio ambiente, temas urgentes para as carências do País.
Acreditamos que boa parte destas medidas devem ser acolhidas por serem semelhantes à agenda de Guedes e sua turma. Se isso for a realidade, ingressaremos num ciclo virtuoso de crescimento nestes próximos quatro anos. Não dá mais para ficar na mão de aprendizes de feiticeiro. Não somos laboratórios de “experiências” do passado recente. A página precisa ser virada. Os movimentos recentes entre os economistas mais alinhados com a ortodoxia, focados no ajuste fiscal, mas sem perder a sensibilidade para outras demandas, não deixa de ser um alento neste sentido.
Novos ventos passam a soprar por estas paragens. Que tragam bons resultados.