“Influenciadores digitais” (podemos ficar com o velho “formadores de opinião”) receberam pagamento para defender o PT em suas redes. Inicialmente, foi-lhes vendida a ideia de que se engajariam na promoção de pautas progressistas e apartidárias que lhes seriam fornecidas rotineiramente. Em algum momento entre defender Gleisi Hoffmann e cantar loas ao governador do Piauí Wellington Dias, os mais inteligentes entre eles devem ter percebido o claro viés político do esquema.
O esquema é, ademais, ilegal, pois viola as leis de financiamento de campanha. Quero, no entanto, discutir a ética dessa relação: receber dinheiro para defender uma certa posição. Desde que o esquema foi revelado, os “influenciadores”, constrangidos, estão tendo que se explicar para o público. Mas afinal, há motivo para se explicar? Fizeram algo de errado?
O teor ideológico do que é defendido é o que menos importa aqui. A ideologia tem, na verdade, um papel perverso: ela justifica uma escolha que seria condenada em outros casos. A bondade da causa —os valores progressistas, o meio ambiente, etc.— justifica a maleabilidade do caráter. Na prática, pessoas de direita e de esquerda usam dos mesmos artifícios e se deparam com os mesmos dilemas.
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O cerne das divergências
O filósofo conservador Roger Scruton, por exemplo, recebia pagamentos mensais da Japan Tobacco International no início dos anos 2000 para defender o cigarro na mídia. Quando a relação veio à tona em 2002, numa matéria do jornal The Guardian, Scruton perdeu espaço em diversas publicações. Parece bastante perverso, não é? Não é pior do que os influenciadores agora pagos para elogiar o PT.
A prática admite graus diversos. O mais obviamente grave é o de uma pessoa que aceita defender algo em que ela não acredita em troca de pagamento. Essa pessoa engana o público acerca de suas próprias crenças; trata-o com má fé. Mas há também aquela pessoa que recebe para defender algo no qual ela já acredita. Nesse caso, ela não está enganando ninguém; ao menos não à primeira vista.
O problema é que não somos intelectos puros que buscam a verdade desinteressadamente, avaliando argumentos e fatos de maneira imparcial. Na maioria dos casos —especialmente nos assuntos que importam para o sujeito— a razão tem um papel coadjuvante em definir nossas crenças e posições. Seguimos inclinações do nosso temperamento, as tendências dos grupos a que pertencemos e, não raro, as posições de pessoas nas quais confiamos.
É difícil manter-se razoável em meio a todos os apelos para que se adote este ou aquele lado de maneira acrítica. Receber para defender um deles certamente terá impacto em nosso posicionamento: no mínimo, em nossa disposição para considerar argumentos contrários e para mudar de ideia. É por isso que a descoberta do vínculo monetário mina a credibilidade do formador de opinião. Ao não revelar esse fato ao leitor, ele trai sua confiança. Se o leitor soubesse, daria menos crédito ao que o formador de opinião escreve. É por isso que esconder o vínculo é parte importante do jogo.
O sonho da internet como um espaço aberto para o cidadão autônomo expressar sua opinião, enriquecer o debate público e aprender no processo revelou-se ingênuo. Jamais chegaremos ao ideal do espaço público democrático e honesto. O que podemos fazer é combater as práticas que buscam pervertê-lo intencionalmente, minando a confiança que podemos ter uns nos outros.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 28/08/2018
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