O Brasil tem muito a celebrar na área de saúde pública. Em 1960, a expectativa de vida ao nascer era de 52,5 anos; em 2017, subira para de 76 anos. A queda da mortalidade infantil, de 117,7 para 12,8 mortes por mil crianças nascidas vivas, explica boa parte do avanço. Mas a menor mortalidade em outras faixas etárias também ajudou. Basta ver que a expectativa de sobrevida de quem chega aos 65 anos de idade subiu de 11,4 anos em 1960 para 18,7 anos em 2017 (https://bit.ly/2sD5o0H).
Grandes conquistas requerem grandes adaptações. Na segunda metade do século 20, por exemplo, teve de se investir muito em criar vagas nas escolas, construindo prédios, contratando e treinando professores, etc. Nas três últimas décadas, por sua vez, o grande desafio tem sido financiar os crescentes gastos da previdência social. Para isso, os presidentes FHC, Lula e Dilma promoveram mudanças no sistema de seguridade social. As mudanças, porém, foram insuficientes, dada a dimensão dos avanços demográficos.
Agora chegou a vez do presidente Bolsonaro, que há uma semana trouxe a público sua proposta de reforma da Previdência social. Trata-se de um projeto bastante abrangente: no todo, são 40 páginas de alterações legislativas, indo de critérios de elegibilidade a aposentadorias às regras do FGTS.
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A proposta de Bolsonaro deve ser analisada em quatro dimensões principais. A primeira é de impacto fiscal. Segundo as contas do governo, a reforma reduzirá o deficit da previdência em R$ 1,1 trilhão ao longo dos próximos 10 anos. Na média, isso cortaria o deficit público anual em 1,6% do PIB. O impacto fiscal cresce com o tempo e, a longo prazo, deve ser suficiente para equilibrar as contas da Previdência. A expectativa é de que a melhora nas contas públicas eleve a confiança e reduza as taxas de juros, estimulando o investimento e o consumo privado e reduzindo o desemprego. Isso elevaria as receitas públicas e reduziria a conta de juros pagos na dívida pública, o que também reduziria o deficit público, reforçando a dinâmica positiva gerada pela reforma.
A segunda dimensão é da eficiência. O mais importante aqui é que a reforma leve a um sistema previdenciário o mais neutro possível, em especial, que não distorça o funcionamento do mercado de trabalho. O principal instrumento para isso é tornar as regras de aposentadoria mais parecidas para todos os tipos de ocupação, o que ocorre no fim do período de transição. Mais poderia ser feito nessa direção: por exemplo, efetivamente igualando as regras para todos os trabalhadores que entrem no mercado de trabalho a partir de agora, inclusive professores e trabalhadores rurais. Isso não impede que se deem estímulos adicionais para determinadas ocupações, como o magistério, ou adotem programas de assistência social, como para idosos pobres no campo e nas cidades. Mas idealmente isso deveria ser feito por outros meios que não a Previdência social. O mesmo se aplica ao tratamento diferenciado entre homens e mulheres.
A terceira dimensão consiste em avaliar se as alterações propostas distribuem o impacto financeiro da reforma de forma justa entre as pessoas. Aqui a teoria econômica tem pouco a contribuir: o que é justo ou não é questão de preferência pessoal. De qualquer forma, na minha opinião, a reforma acerta ao tornar mais parecidas, a longo prazo, as regras de aposentadoria para quase todas as ocupações profissionais e ao alocar uma parcela maior do custo de ajuste, durante a fase de transição, às pessoas que ganham mais.
A quarta e última dimensão é a da viabilidade política. Como disse Carlos Kawall, reforma da Previdência boa é aquela aprovada pelo Congresso. Este não se orienta só pelos três critérios acima, mas também pela influência relativa dos diversos grupos de interesse com representação ou capacidade de pressão sobre os congressistas. É aqui que o governo ser capaz de se comunicar e convencer o conjunto da população será decisivo para a qualidade da reforma que emergirá desse processo.
Por fim, é importante ter em mente que a reforma da Previdência é a grande prioridade atual, mas não é a única de que o país precisa. Há toda uma agenda adicional de melhora do ambiente de negócios e outra para eliminar os inúmeros subsídios e isenções tributárias que beneficiam atores sociais mais influentes. Se a agenda é de combate aos privilégios, ela não pode parar na reforma da previdência, sob o risco de perder a legitimidade.
Fonte: “Correio Braziliense”, 27/02/2019