“Progressistas pelo mundo estão tendo um ataque de ansiedade por conta da quase vitória de Jair Bolsonaro, candidato conservador nas eleições presidenciais que ocorreram domingo no Brasil. Depois de anos de corrupção e recessão, aparentemente milhões de brasileiros acham que um nome de fora da política tradicional é exatamente o que o país precisa. Talvez eles saibam mais do que os críticos ao redor do mundo.” Editorial do Wall Street Journal
Este trecho acima de um editorial do jornal Wall Street Journal bem reflete o clima de beligerância e de ansiedade que estamos vivendo. Há claramente alguma movimentação de parte da imprensa contra os candidatos, principalmente daquele na frente das pesquisas, Jair Bolsonaro.
Na semana passada duas pesquisas saíram reforçando sua liderança e, caso nada maior de imprevisto ocorra, teremos sua possível vitória ao fim do segundo turno dia 28. A Datafolha veio com 58% a 42% para o capitão em votos válidos e 49% a 42% em votos totais. A Ideia Big Data com 54% a 46%.
Para uma corrente de analistas, se um candidato ultrapassa 40% no primeiro turno, sua vitória se torna quase certa no segundo. Outros acham que esta etapa da eleição é um novo pleito, dadas as composições que acabam ocorrendo, limitado apenas a dois postulantes. Porém, muitos consideram que este segundo turno é apenas o “reforço” de ideias e programas dos candidatos que passam do primeiro turno. Ou seja, o segundo turno é uma conseqüência do primeiro. Na verdade, é outra eleição, mas também a continuação do primeiro turno. São interdependentes. Na eleição deste ano fatos a chamar atenção foi o voto útil antecipado e um forte sentimento anti-PT, se refletindo na onda conservadora que varreu o País no dia 7. O PSL, partido de Bolsonaro, teve uma performance notável, se tornando a segunda maior bancada na Câmara, com 52 deputados, atrás apenas do PT (57).
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Diante deste quadro, vai se confirmando a configuração dos apoios ao segundo turno, assim como amadurecendo ideias e programas de governo de cada um dos candidatos em disputa. Já comentamos sobre isso no Panorama da semana anterior, mas novidades nos levaram a algumas revisões.
Uma delas foi a entrevista de Jair Bolsonaro, na qual ele revisou alguns pontos defendidos antes pelo seu assessor econômico Paulo Guedes, até então, o principal formulador do programa de governo na área econômica. A impressão que se tem é que vem ocorrendo algum embate entre o seu grupo de economistas e a “turma da caserna”, liderada pelo general Augusto Heleno, no chamado “núcleo duro” do capitão. Disse Bolsonaro que não mexeria nem com o “miolo” da Petrobras, nem da Eletrobrás, até então uma das empresas incluídas no pacote de privatizações de Guedes. Para ele os chineses estariam de olho no setor energético, a área de distribuição poderia até entrar num pacote, mas a de geração nem pensar.
Se posicionou também de forma ambígua sobre a reforma da Previdência, já descartando a PEC anunciada pelo governo Temer. Nesta foram definidas as idades mínimas para homens e mulheres em 65 e 62 anos e um período de transição de 20 anos.
Jair Bolsonaro se posicionou contrário a esta idade mínima, pregando alguma remodelagem nesta transição e pouco falou sobre um dos problemas do regime, o corporativismo de várias categorias, como a que ele sempre defendeu dos militares. Estudos indicam que os maiores focos de despesa da União estariam na folha de pagamentos, o segundo maior, atrás apenas das previdenciárias. Neste caso, os proventos dos militares estariam no topo das maiores despesas nas categorias dos servidores públicos. Como então pensar numa reforma, se um dos pontos centrais seria mudar os dois regimes, dos servidores e do setor privado, unificando-os?
Temos aqui nestes temas, “pontas desencapadas”, discussões inconclusas e forte influência do “pensamento da caserna”, defendendo um tratamento diferenciado para o seu regime previdenciário e também uma visão estratégica, lembrando o regime militar. Neste se pensava o conceito de segurança nacional ao defender as riquezas do País. Sendo assim, várias estatais eram intocáveis, como a Petrobras e a Eletrobrás, por tratar de estratégicas na visão dos militares. Como Paulo Guedes deve transitar neste mar nebuloso? Esta é a indagação que todos se fazem.
Guedes tem uma visão liberal, talvez estremada e radical, sobre a necessidade da venda de estatais. Para ele, é possível arrecadar até R$ 3 trilhões, com venda destas empresas, o repasse e desmobilização de ativos, dentre outros. Na relação das estatais vendáveis, todas estariam no pacote, como a CEF, a Petrobras, o Banco do Brasil, etc.
Os militares parecem não concordar muito com isso. Vai se observando, portanto, uma guerra de bastidores entre a turma do general Heleno e o economista de Chicago, Paulo Guedes. Pode ser um ruído desnecessário, até impressão nossa, mas conhecendo Guedes, economista de mercado, expoente liberal, genioso e polêmico, difícil saber até onde vai o seu “pavio curto”.
Falando da agenda, são variados os temas a serem tratados. Teremos a discussão em torno da independência do BACEN, definição de mandatos únicos sem influência política, reforma tributária avançando, definição do imposto único, IVA, tendo como mentor Marcos Cintra. Ainda sobre a reforma da Previdência, temos a definição de um novo regime, de capitalização para novos entrantes, numa transição para por fim ao de repartição.
Para Fernando Haddad, tendo vários quadros do PT como expoentes, destaque para José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, o que se tem é uma revisão de muitas das medidas adotadas pelo governo Temer.
Seria necessária uma rediscussão do “teto dos gastos”, uma revisão da reforma trabalhista, alavancar os investimentos públicos e buscar uma política ativa de crédito público visando estimular a demanda. Sobre a reforma da Previdência, acham eles que basta a economia voltar a crescer, gerar emprego, para que os benefícios previdenciários sejam restabelecidos. Nesta visão, políticas fiscais ativas devem ser adotadas para estimular a demanda, fazer a “roda da economia” girar, com a renda crescendo, a arrecadação federal na mesma toada e o equilíbrio fiscal sendo restabelecido.
Sendo assim, por esta visão keynesiana, sustentada por políticas fiscais anti-cíclicas, a economia voltando a crescer, boa parte dos desarranjos fiscais estariam resolvidos. Nada mais simples. Soma-se a isso, no programa do PT há claramente uma preocupação com o aumento das receitas, não focando muito na necessidade de corte de despesas. Fala-se no aumento das alíquotas de IR para rendas mais elevadas (grandes fortunas), isenções para as faixas mais baixas, taxação sobre lucros e dividendos e sobre heranças, etc.
Na verdade, os programas de governo são uma “carta aberta” à sociedade sobre o que o candidato pensa sobre determinados temas. Isso não significa que assim acabará aprovado, até porque, dependendo, precisará passar pelo crivo do Congresso e um longo processo de discussões.
Além disso, na opinião da economista Eliane Cardoso, há excelentes programas que não pertencem a nenhum partido e apresentam um diagnóstico profundo da realidade nacional e oferecem soluções. Um deles vem do centro de Debates de Políticas Públicas, a partir do livro eletrônico “Como escapar da Armadilha do Lento Crescimento”, cheio de propostas interessantes.
A seguir, resumimos alguns dos pontos de discussão dos programas de governo de ambos os candidatos. Observamos claramente um viés mais liberal em Bolsonaro e claramente mais intervencionista e mais revanchista no segundo.