No julgamento que terminou ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) com a decisão majoritária de que só a alienação do controle acionário de empresas públicas e de sociedades de economia mista exige autorização legislativa, exigência que não se aplica à alienação do controle de suas subsidiárias e controladas, houve, na verdade, a prevalência de uma visão privatista sobre a do capitalismo de Estado defendido pelo relator, ministro Ricardo Lewandowski.
Segundo ele, “crescentes desestatizações” podem apresentar prejuízos ao país. Por isso é necessário que o Congresso, onde estão os representantes do povo, se manifeste sobre as privatizações. Na sua visão o Estado não pode abrir mão da exploração de atividades econômicas por decisão exclusiva do governo.
A divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes opôs a essa ideia a tese de que o Estado não deveria entrar “nas regras do mercado privado”, pois a Constituição dita que a intervenção estatal nesse deve ser mínima.
O “fetiche” de colocar o controle estatal como protagonista de tudo, segundo o ministro Luis Roberto Barroso, é que estava em discussão subjacente ao tema central, que era a tentativa de entidades sindicais de impedir a venda de subsidiárias de estatais, como é o caso do programa de desinvestimento da Petrobras.
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Barroso disse que essa devia ser uma decisão do Executivo, o STF não deveria se imiscuir em questões econômicas, que devem ser resolvidas por gestores públicos. Ressaltou que a definição do papel do Estado é que estava em discussão e, no seu ponto de vista, a Constituição manda que esse papel seja o menor possível. O ministro Edson Facchin, que acompanhou o relator, ressaltou em aparte que não votou com intuito político, mas de acordo com sua interpretação da Constituição.
O Ministro Luis Fux baseou seu voto na situação econômica do país, alertando que a atitude republicana obriga a pensar no futuro: “O Brasil precisa de investimentos, de mercado de trabalho, precisa vencer essa suposta moralidade que há com tutela excessiva das empresas estatais”.
A ministra Rosa Weber exigiu em seu voto que, como queria Lewandowski, houvesse uma autorização, mesmo que genérica, para alienação na lei que criou a estatal, ressaltando que já há essa autorização na que criou a Petrobras.
O voto médio do plenário foi, porém, no sentido de que a lei que permitiu às empresas estatais a criação de subsidiárias e controladas implicitamente permite a venda delas.
O ministro Lewandowski ainda tentou influenciar na redação final da decisão, no sentido de que era necessário que a lei que autorizou a criação da empresa pública preveja a possibilidade de desinvestimento, mas foi vencido novamente.
Prevaleceu a tese de que quem pode o mais, pode o menos. A necessidade de lei específica se restringiu à venda do controle acionário de estatais. Mesmo a venda de ações que não implique a perda do controle poderá ser feita sem necessitar aprovação do Congresso.
A ministra Cármen Lúcia também votou pela necessidade de autorização prévia do Congresso apenas para a privatização de uma “empresa-matriz”, sendo dispensado esse modelo para as subsidiárias. O ministro Gilmar Mendes fez uma ressalva importante em seu voto: a venda das ações deve seguir um procedimento licitatório, mas não necessariamente o previsto na Lei das Licitações.
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Houve uma concordância generalizada de que o processo licitatório deverá seguir os parâmetros constitucionais de impessoalidade, publicidade e, sobretudo, competitividade entre os interessados, como fez questão de ressaltar o ministro Celso de Mello.
Embora não fosse o julgamento do mérito da venda da TAG, subsidiária de distribuição de gás, esse era o objeto oculto do julgamento, pois sindicalistas não querem que a Petrobras venda suas subsidiárias.
Fonte: “O Globo”, 07/06/2019