Na teoria convencional da democracia, os eleitores escolhem representantes alinhados com suas preferências e que implementarão um conjunto de ações que expressam a vontade geral.
Essa visão convencional, que teve suas contradições criticadas por Joseph Schumpeter (1883-1950) há quase 80 anos e suas inconsistências técnicas expostas por Kenneth Arrow em 1951, vem sendo substituída por uma visão mais realista da democracia.
Nas democracias velhas e novas, quem governa conta com o apoio da maior minoria, não de uma maioria. O comparecimento às urnas é em geral da ordem de 65% e onde adotam-se distritos uninominais, como a Inglaterra, o ganhador das eleições conta com o apoio eleitoral de pouco mais de 50% desse percentual, ou seja, pouco mais de um terço do eleitorado. Este último percentual é ainda menor onde a representação proporcional é utilizada.
Mesmo no Brasil, onde o voto é obrigatório, em torno de 20% do eleitorado se abstém e pouco menos de 10% anula o voto. Em 2014, no segundo turno, Dilma Rousseff recebeu 54,5 milhões de votos, ou seja, 38,1% do eleitorado de 142,8 milhões.
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Mais problemático para a visão tradicional da democracia é o fato de que o eleitorado não tem preferências formadas sobre a vasta maioria dos itens da agenda pública, para além das chamadas “valence issues” —questões sobre as quais há consenso quanto aos objetivos, mas não aos meios, como é o caso de melhor atenção à saúde.
E o pior: o nível de informação política dos cidadãos mesmo nas melhores democracias é muito baixo. André Blais, da Universidade de Montréal, mostrou que mesmo na politizada França metade dos cidadãos não era capaz de distinguir a esquerda da direita.
No ESEB (Estudo Eleitoral Brasileiro) de 2014, 18% não sabiam fazer essa distinção e 27,3% não sabiam classificar o PSOL como de esquerda ou de direita. O PT foi classificado de direita ou de centro-direita por 20,1% dos entrevistados e de esquerda e de centro-esquerda por 28,7% (22, 2% não sabiam).
Neste ano, segundo o TSE, 39,2% do eleitorado é analfabeto ou classificado como “lê e escreve” ou tem o ensino fundamental incompleto.
No ESEB de 2010, 75% dos eleitores com o ensino médio incompleto não sabiam a que partido político Geraldo Alckmin estava afiliado, ante 50% dos com nível superior. Em 2014, segundo a mesma fonte, 78% dos eleitores não sabiam identificar, em lista com quatro opções, quem era o ministro da Fazenda de Dilma.
Mesmo com baixíssima informação política, o eleitorado pune e premia o desempenho e a probidade de governantes. Voando sob neblina, o eleitor escolhe líderes, não políticas!
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 25/06/2018