A perplexidade que toma conta dos eleitores que não querem nem Bolsonaro nem Haddad pode produzir consequências no resultado final da eleição. O clima de protesto com votos nulos, em branco e abstenção pode voltar, mudando o cálculo para a eleição já no primeiro turno, pois só contam os votos válidos. Fica mais fácil ter votos suficientes para ir ao segundo turno, ou até mesmo ganhar logo.
Já houve época em que o voto em branco era interpretado como um voto de conformismo do eleitor, enquanto o nulo era o voto de protesto. Não há como dizer se essa interpretação é correta nos dias de hoje, pois a urna eletrônica facilita o voto em branco, tem uma tecla só para ela, e dificulta o voto nulo.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), numa jurisprudência do século passado, considera que votos nulos não existem, “é como se nunca tivessem sido dados”. Ignorar o recado que as urnas enviaram aos nossos políticos nas recentes eleições, considerando que os votos nulos nunca existiram, é um reflexo da leniência com que tratamos nossas mazelas político-partidárias.
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Os votos em branco eram considerados válidos até a Constituição de 1988, quando também entraram na lista dos não votos. Na eleição municipal de 2016 houve o maior índice de votos brancos e nulos no Rio de Janeiro desde a implantação das urnas eletrônicas, em 1996.
Na verdade, quanto mais votos inválidos, menor a quantidade de votos que um candidato precisa para vencer a eleição. É o que fez Freixo chegar ao segundo turno com apenas 16% dos votos válidos (o que representa muito menos do total de votos), e Marcelo Crivella chegar em primeiro com menos votos que os nulos, em branco e as abstenções. O eleitor que escolhe esse tipo de protesto, portanto, está facilitando a vida de quem está na frente das pesquisas.
Os números da pesquisa Ibope mais recente querem dizer que o segundo turno possivelmente deverá ser Bolsonaro contra Haddad. Se não houver uma decisão no primeiro turno, o que é possível, embora estatisticamente improvável, de acontecer com Bolsonaro.
Existe um movimento político nesse sentido, como, ao contrário, a campanha #Ele não está muito disseminada e deve ter tido efeito para barrar o crescimento de Bolsonaro. Se parte dos cerca de 20% que estão com os demais candidatos quiser votar contra o PT, esses votos podem ir Bolsonaro, para impedir que o PT chegue ao segundo turno, principalmente depois que a pesquisa do Ibope mostra que, nele, Haddad ganha de Bolsonaro.
Se essas tendências forem confirmadas pelas demais pesquisas esta semana, marcando o crescimento de Haddad e a estagnação, ou eventual queda de Bolsonaro, fica real a possibilidade de o candidato do PT ultrapassá-lo ainda no primeiro turno, o que pode gerar um movimento contrário em favor de Bolsonaro.
Os eleitores de esquerda de Ciro e Marina também podem ir para o Haddad, para não desperdiçar o voto. Há uma disputa entre Lula e anti-Lula, os votos do Haddad não são dele, nem do PT, são do Lula, o grande líder popular que dá as direções da campanha da cadeia.
Mas há muita gente que se recusa a votar no Bolsonaro. Muitos desses que votam nos candidatos que estão fora da disputa podem votar contra Bolsonaro, no primeiro e no segundo turno. Haddad ganha no segundo turno porque muita gente vai para ele por rejeitar Bolsonaro. A próxima semana vai ser decisiva para definir quem chega ao primeiro turno em primeiro lugar, caso nenhum deles ganhe no primeiro turno.
Historicamente, quem ganha no primeiro turno sempre saiu vencedor no segundo também. As pesquisas não estão mostrando isso neste momento, porque o índice de rejeição a Bolsonaro é muito alto. Mas aumenta também a rejeição a Haddad à medida que ele aparece mais nas pesquisas.
Essa é uma eleição difícil. Se você está indeciso a esta altura do campeonato, é porque não gosta de nenhuma das opções apresentadas. Pode continuar indeciso, sem escolher entre a cruz e a caldeirinha. Mas se a postura é de antipetista, e o eleitor está indeciso entre os candidatos do campo do centro-direita, caso se decida deve ir para Bolsonaro. O segundo turno mostra, de acordo com o Ibope, que a rejeição a Bolsonaro estreita muito seu campo para ampliar o eleitorado.
Fonte: “O Globo”, 26/09/2018