A aprovação da reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103) foi bastante celebrada, e com razão. Foi um passo histórico, ainda que com 20 anos de atraso. Era para ser mais fácil reformar a Previdência. Precisou baterem à porta o fim do bônus demográfico e a grave crise fiscal para o País avançar. Sendo matéria constitucional, diferentemente da experiência mundial, o desafio é maior.
Apesar do importante passo, há efeitos colaterais. A decisão de enviar um novo projeto ao Congresso, ao invés de dar prosseguimento ao do governo anterior, proporcionou um impacto fiscal superior (R$ 830 bilhões em 10 anos contra R$ 604 bi do relatório do deputado Arthur Maia), mas gerou alguns custos relevantes.
A tramitação mais lenta (a PEC de Temer já havia sido aprovada nas comissões, estando pronta para votação no plenário da Câmara) prejudicou o avanço da agenda de reformas do governo. Em termos de atividade do Legislativo, o segundo semestre foi praticamente perdido, o que não é nada bom para um país que precisa de muitas reformas estruturais. Exemplo disso foi não ter avançado na reforma tributária.
Custou também não ter a inclusão de Estados e municípios, como previsto na proposta de Temer (prazo de 6 meses para enquadramento às regras para o funcionalismo da União). Cada Estado deverá aprovar sua reforma, valendo as regras para os municípios que não tiverem regras próprias. Aqui um grande inconveniente: as diferentes regras de Previdência entre os entes federativos, quando deveriam ser iguais.
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A situação fiscal dos Estados é grave, ainda que em diferentes graus, e as eleições municipais de 2020, possivelmente polarizadas, poderão dificultar bastante a obtenção de apoio nas assembleias legislativas.
A resposta do Senado à exclusão dos entes subnacionais na reforma da União foi propor uma PEC paralela. A ideia não é mudar as regras desses entes, mas sim facilitar o processo de aprovação, bastando o envio de projeto de lei ordinária, e não uma proposta de emenda constitucional.
O problema é que a PEC paralela inclui mais flexibilização das regras da União, reduzindo seu impacto fiscal sensivelmente. Além disso, distorções e injustiças são criadas, privilegiando particularmente corporações do setor público. Aprovar essas medidas seria preço alto demais para facilitar a reforma de governos locais.
A EC 103, por outro lado, não poupou Estados e municípios em outras frentes. A reforma da aposentadoria de militares, mais generosa, incluiu não apenas as Forças Armadas, mas também policiais militares e bombeiros nos Estados. Elevou-se a contribuição de inativos e o tempo de contribuição, mas preservou-se a integralidade da renda na reserva, algo não observado na experiência mundial. E as regras de transição foram suavizadas. Será mais difícil fazer o ajuste fiscal, sendo que o déficit da Previdência dos militares dos Estados está em pelo menos R$ 27 bilhões.
A reforma da Previdência também alterou algumas regras de funcionamento dos regimes próprios locais, desconstitucionalizando alguns pontos e ditando comandos genéricos a serem implementados por leis locais, o que tem gerado muitas dificuldades de interpretação da lei. De quebra, as novas regras geram dúvidas quanto às sanções da União a entes que não cumprirem regras gerais de organização e de funcionamento dos regimes próprios.
Alguns Estados já aprovaram a reforma de suas previdências. O foco tem sido o aumento da alíquota de contribuição, pois os Estados que não aplicarem a mesma alíquota da União, de 14%, ficarão passíveis de sanções. De forma geral, são reformas tímidas. Mais ajustes serão necessários para dar conta do aumento dos gastos com inativos e pensionistas, que consomem cerca de 40% da folha dos Estados em média.
O risco fiscal dos entes subnacionais seguirá elevado. O déficit previdenciário de Estados, acima de R$100 bilhões, seguirá em alta, prejudicando a oferta de serviços públicos. Vai piorar antes de melhorar.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 19/12/2019