Com frequência se assiste a divergências entre economistas nas recomendações de política pública. Ainda que cause confusão ao cidadão atento, que fica sem saber qual lado está “correto”, o debate saudável contribui para o aprimoramento da ação estatal, sendo elemento importante para o funcionamento da democracia.
A ausência do bom debate contribuiu para o desastre da gestão Dilma. Um governo refratário a críticas. Adotou seu próprio manual de política econômica – a nova matriz macroeconômica (NMM), termo cunhado pelo então secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland –, desqualificando os críticos e ignorando os alertas, alguns dentro do próprio PT. A NMM consistia em expansão fiscal, via gastos públicos e renúncias tributárias, crédito público abundante e taxas de juros do Banco Central baixas, enquanto a experiência acumulada e a literatura econômica consolidada recomendavam cautela naquelas prescrições. Em 2012, muitos acadêmicos e pesquisadores defenderam que havia espaço para redução dos superávits fiscais, pois os juros baixos e a suposta retomada do crescimento impediriam o crescimento da dívida pública como porcentagem do PIB. Eram tempos em que os nacionais-desenvolvimentistas dominavam o pensamento econômico do País. Os críticos que defendiam a disciplina fiscal eram apontados como defensores de interesses escusos de rentistas ou dos bancos.
A história não acabou bem. O estímulo artificial da economia pressionou a inflação, exigindo grande aperto monetário, o que, somado ao rápido aumento do endividamento público, levou à perda do grau de investimento, agravando o quadro. O resultado foi a crise, possivelmente, mais grave de nossa história.
É curiosa a volta precoce da defesa de aumento dos gastos públicos para estimular a economia. Afinal, o Brasil continua sofrendo com a dívida em alta. Sua estabilização ainda é uma promessa. O País mal começou o ajuste estrutural das contas públicas. Há ainda uma agenda extensa de ajuste para conter o rápido crescimento dos gastos obrigatórios.
Os gestores devem perseguir as boas práticas e basear-se na melhor evidência disponível. Precisam avaliar o custo-benefício das políticas públicas, e isso requer qualidade técnica.
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A teoria econômica prevê que o resultado depende das circunstâncias, como a qualidade do gasto público, as condições de solvência do governo e a taxa de poupança do país. A resposta está, pois, na evidência empírica.
Na experiência brasileira, os investimentos públicos têm sido eficazes e gerado crescimento? Qual o tamanho do estimulo à demanda no curto prazo? E qual o impacto no potencial de crescimento de longo prazo, via melhora da infraestrutura ou formação da mão de obra? As evidências estão mais para a baixa eficácia dos investimentos públicos. O Estado gigante gasta mal.
Estimar de forma acurada esse efeito multiplicador não é tarefa tão fácil. Há resultados para todos os lados e, em alguns casos, com problemas e limitações nas técnicas utilizadas. Na dúvida, convém cautela redobrada.
Há também uma boa dose de economia política envolvida. Elevar despesas implica a necessidade de flexibilizar a regra do teto dos gastos. Seria um péssimo sinal para investidores. Mal a emenda constitucional foi promulgada e já se discute seu relaxamento. Equivale a quebrar a dieta quando ela mal começou.
Se isso for feito, a reconquista do grau de investimento estará mais distante e a estratégia de política monetária do BC, que sinaliza Selic de 4,5% a.a. e por um bom tempo, estará ameaçada. O custo é, portanto, elevado. O benefício, nem tanto, pela baixa qualidade dos investimentos públicos.
Não existe política econômica ideal. Há perdas e ganhos no curto prazo, mesmo quando a medida é vantajosa para todos no longo prazo.
O momento pede reformas constitucionais, não para mudar a regra do teto, mas para reduzir gastos obrigatórios, que comprometem quase a totalidade do orçamento federal. O debate precisa mudar de foco.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 3/10/2019