Entrevistei Andrew Feinstein —pivô do mega escândalo conhecido como Arms Deal (compra de armas)—, no aeroporto de Joanesburgo, quando ele retornava para Londres onde se exilara voluntariamente.
Acedeu ao encontro pelo seu interesse no mensalão. O ex-militante antiapartheid era “protegé” de Nelson Mandela e tornou-se membro do parlamento pelo CNA (Congresso Nacional Africano).
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Presidente do Scopa (Comitê Parlamentar de Contas Públicas), Feinstein recebeu um relatório do AGSA (Auditor General), espécie de TCU sul-africano, com suspeitas sobre a compra de submarinos e caças no valor de US$ 5 bilhões. Feinstein recusou-se a fazer vista grossa —US$ 85 milhões teriam sido pago de propina ao CNA— e deu grande publicidade ao caso que se tornou o maior escândalo da história do país até então.
Uma força tarefa de magistrados conhecida como Skorpions foi criada e um juiz —Willem —Heath adquiriu protagonismo na investigação do caso: empresários ligados ao vice-presidente Jakob Zuma foram presos, levando à sua demissão pelo CNA.
Detendo 71% das cadeiras, o CNA bloqueou iniciativas de incriminação do presidente Thabo Mbeki (no poder em 1999-2008), interveu no Scopa, e forçou o AGSA a refazer o relatório incriminador. A resistência fora comandada por Zuma, que também vetou a inclusão de Feinstein na lista fechada do partido nas eleições de 2004.
Com a oposição reduzida a 19% das cadeiras, o CNA era hegemônico. Em 2008, forçou Mbeki a pedir demissão por suposta interferência em investigação sobre corrupção que envolvia Zuma e elegeu o próprio como presidente. (Presidentes são eleitos pelo parlamento —a quem devem responsabilidade—, acumulando funções de chefe de Estado e de governo).
Após dez anos de desmandos os custos reputacionais domésticos e internacionais da corrupção tornaram-se elevadíssimos, e o CNA destituiu por uma segunda vez um presidente. Custos infligidos não pela oposição, mas por fogo amigo com amplo apoio na Mídia e no Judiciário.
O Arms Deal e o mensalão foram batalhas em que governos acusados de alta corrupção sobreviveram devido a seu controle do parlamento. Mbeki sobreviveu por mais quatro anos e caiu por ação do CNA. Agora cai Zuma, mas o CNA mais uma vez fica. É certo que Lula no mensalão não caiu embora o PT tenha sofrido duros golpes.
A política mais competitiva no Brasil contrasta com a hegemonia do CNA. Aqui as instituições de controle são protagonistas, lá o fogo amigo intrapartido o é: as instituições são coadjuvantes.
Na despedida, Feinstein lamentou que em seu país não “se adotava a representação proporcional com lista aberta como no Brasil”. Onde seria “campeão de votos”! —retruquei.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 19/02/2018