* Por Adriano Pires e Bruno Pascon
Enxergamos atualmente 5 frentes de discussão que poderiam aprofundar o debate sobre o crescimento e desenvolvimento do mercado de gás no Brasil.
A 1ª delas é definir claramente que as atividades de transporte e distribuição de gás natural são de monopólio natural e, portanto, têm suas receitas auferidas por tarifas reguladas. Logo, os conceitos corretos são: tarifa de transporte e tarifa de distribuição do gás natural canalizado (tarifa de transmissão de energia elétrica e tarifa de distribuição de energia elétrica) e, para mercados competitivos, como o de derivados e biocombustíveis, o conceito de preço (preço da gasolina, preço do etanol, preço do GLP, etc).
Uma 2ª frente remete ao processo de abertura do setor elétrico no início da década de 90 e buscaria discutir a importância de se criarem as figuras do Operador Nacional do Sistema de Transporte de Gás Natural (ONT), bem como da Câmara de Comercialização de Gás Natural (CCGN). Ou alternativamente, discutir se as instituições hoje atuantes no setor elétrico (ONS e CCEE) poderiam incorporar as atribuições próprias do mercado de gás natural.
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Uma 3ª frente é o da cooperação entre Aneel e ANP principalmente com relação à cadeia energética, monetização do gás natural associado por intermédio de sinalização de demanda firme na figura de termelétricas inflexíveis. Fomentar a aproximação da Aneel com a ANP é salutar, dada a experiência da 1ª na regulação de indústria de rede e da 2ª nas atividades de mercado competitivo como a indústria de combustíveis. Mais do que nunca, deveríamos discutir a concorrência entre linhas de transmissão e gasodutos e para isso juntar os conhecimentos da Aneel e da ANP é fundamental.
Nos países desenvolvidos, como Reino Unido, União Europeia e EUA, os processos de abertura do mercado elétrico e de gás natural ocorreram de maneira simultânea (EUA) ou segregada (Reino Unido e União Europeia), mas em todos os casos os reguladores convergiram para se tornarem um agente comum. E por quê? Basicamente porque os consumidores são os mesmos, a concentração da arrecadação (caixa do setor) encontra-se na distribuição e a lógica de remuneração de investimentos para setores regulados de monopólio natural é a mesma. Então é normal que ao longo do tempo possa-se contemplar fim semelhante. Fomentar a harmonia da regulação entre ANP e Aneel estaria alinhada com as diretrizes do CNPE que buscam dar a prioridade necessária para a monetização do gás natural brasileiro.
Uma 4ª frente de discussão seria a agenda da sustentabilidade via inclusão do Biogás. Por que o Biogás? Pelo fato de ser uma fonte limpa e o Brasil se constituir um dos países de maior potencial, seja por meio da liderança na agropecuária (bovinos, suínos, avicultura) cujos dejetos são fontes relevantes da produção de biogás via biodigestores, como da produção de lixo (enorme presença de aterros sanitários que permitem soluções de waste-to-energy com escalas invejáveis). Soma-se a isso as biomassas florestais de replantio e também o biogás do vinhoto, resíduo final da produção de açúcar e álcool com alto potencial de produção (para cada litro de etanol, 12 litros de vinhoto).
Investir em biogás é permitir a descentralização da oferta de energia elétrica via geração distribuída e no caso do biometano, fomentar a substituição de máquinas agrícolas, tratores, e caminhões que utilizem o diesel, reduzindo a emissão de gases de efeito estufa (GEE) e permitindo a comercialização de certificados (CBIOs) como instrumento de preservação e ampliação de liquidez.
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A 5ª frente de discussão seria a das alternativas de financiamento. O BNDES por meio do documento “Gás para Desenvolvimento” já assumiu protagonismo como fornecedor de alternativas para novos investimentos de infraestrutura, replicando o bem sucedido modelo de criação de Sociedades de Propósito Específico (SPEs) com linhas de financiamento de longo prazo na modalidade de Project Finance.
Complementar à atuação do BNDES, o mercado de capitais pode ser uma fonte importante para financiamento da infraestrutura e, neste caso, dá pra copiar o que deu certo lá fora. Estamos falando das MLPs nos EUA (Master Limited Partnerships) que são sociedades públicas listadas em bolsa que possuem isenção de imposto de renda para o emissor e para quem recebe os proventos na forma de dividendos, que foram o principal veículo para financiar a expansão da rede de transporte de shale oil e shale gás na última década, quando o EUA passou de 10% da oferta global de petróleo para 20% em 2019.
E na América Latina? Exemplo mais recente: em 2015 criou-se a Fibra-E –a MLP Mexicana– que tem sido uma das principais alternativas de financiamento da expansão de infraestrutura no país. E no caso da MLP Mexicana, o rol de setores passíveis de emissão é tão amplo quanto o dos FIP-IE (Fundos de Investimentos em Participação – Infraestrutura) no Brasil criados pela lei 11.478/07.
Acreditamos que a discussão dessas frentes poderia contribuir para a busca de consensos na definição dos pilares de segurança legal e regulatória, base para a construção de um mercado de gás natural maduro e sólido.
Fonte: “Poder 360”, 23/06/2020