A funcionalidade e a diversidade da natureza, tão fascinantes quanto quase imperscrutáveis, estão associadas à existência de uma estrutura complexa, em que as partes estão em contínuo processo de interação. Ante a desproporcional limitação da inteligência humana, sua compreensão requer a construção de modelos que simplifiquem a realidade, para compreendê-la e com ela interagir, a despeito dos riscos de uma modelação simplista, desapegada da realidade e muitas vezes fundada em apriorismos filosóficos ou religiosos.
À medida que prospera o processo civilizatório, as relações sociais, em sentido lato, tendem à complexidade, ainda que em escala infinitamente menor se cotejada com os sistemas naturais.
O elogio à genialidade de Steve Jobs ressaltou sua obsessão com a simplicidade criativa. O primeiro folheto propagandístico da Apple proclamava, acolhendo célebre frase de Leonardo da Vinci, que “a simplicidade é a sofisticação máxima”. Acrescentou Jobs: “O simples pode ser mais difícil que o complexo. Você tem de trabalhar muito para chegar a um pensamento claro e fazer o simples”.
Sistemas tributários correspondem a intervenções do Estado – em tese meritórias – nas relações sociais, daí porque se vocacionam para a complexidade, quando acriticamente se limitam a replicar, no âmbito do seu objeto, relações sociais mais elaboradas.
A complexidade tributária é custosa, ineficiente, controversa e produz as trevas nas quais deambulam o burocratismo, que não raro inclui a corrupção administrativa, e as diversas modalidades de alquimia tributária, ao gosto da sonegação e da elisão fiscal.
A iniquidade dos sistemas complexos foi denunciada por eminentes tributaristas contemporâneos, a exemplo de Klaus Tipke, Casalta Nabais, Richard Musgrave e Vito Tanzi. Há uma convicção generalizada de que a demanda por simplificação se tornou universal e de que o caos tributário não é propriedade de nenhum país.
A reforma tributária de 1965 foi um extraordinário exercício de simplificação, ao reparar – ao menos parcialmente – as imperfeições na tributação do consumo, centralizar na União os tributos sobre o comércio exterior e codificar a matéria tributária, sem descurar de melhorias na administração fiscal.
Outro exemplo de iniciativa simplificadora foi a reforma do Imposto de Renda, empreendida na segunda metade dos anos 90.
A eliminação da correção monetária, para fins fiscais, expurgou uma aberração que tornava a legislação do Imposto de Renda brasileiro, além de complexa, extremamente injusta, porque premiava as grandes empresas, em escala progressiva, com a aceleração do processo inflacionário.
A efetivação do lucro presumido, pela elevação dos limites de faturamento para opção dos contribuintes e isenção na distribuição dos resultados, elidindo uma virtual bitributação, produziu, singularmente, aumento de opções e de arrecadação, constituindo uma solução que conciliou interesses do Fisco e dos contribuintes.
A instituição do Simples, em 1996, representou a mais significativa onda de formalização de micro e pequenas empresas no Brasil, a despeito de todas as deploráveis restrições burocráticas à constituição e baixa de empresas, que ainda hoje perduram. Motivou, inclusive, a adoção de modelos análogos estaduais, como o Simples Paulista e o Simples Candango.
O esforço simplificador, contudo, enfrenta obstáculos sucessivos. Muitas vezes, o Fisco parece abominar a simplicidade. O contribuinte é visto, nessa hipótese, como adversário. Quanto mais complexa e obscura a legislação, maior a dependência à interpretação da administração fiscal, fazendo sobressair a força corporativa.
Desse modo, de tempos em tempos ressurge a demanda por indexação de tabelas de impostos, esquecendo que esse instituto foi um dos principais responsáveis pela inflação, que infelicitou o Brasil por um longo período.
Desde 2002 não se revê o limite de opção do lucro presumido. Argumenta-se com virtual perda de arrecadação, o que não corresponde à verdade. Nenhuma vez em que houve elevação desse limite ocorreu diminuição de receitas.
No Congresso Nacional tramitam projetos que pretendem estabelecer novos limites, entre eles um de autoria do hoje vice-presidente Michel Temer. Os parlamentares não devem demitir de si a discussão da matéria.
Foi boa a intenção de unificar, no âmbito federativo, os diferentes regimes simplificados de tributação das micro e pequenas empresas, com a criação do Simples Nacional.
Aos méritos da instituição do Microempreendedor Individual e da elevação dos limites máximos de receita bruta para enquadramento no regime se contrapõem a completa inépcia em relação à simplificação dos procedimentos de inscrição e baixa de optantes, a desconcertante e contraditória complexidade na apuração do imposto devido e a profusão de normas emanadas pelo comitê gestor.
A simplificação precisa se inscrever na agenda tributária brasileira em caráter permanente. Não se pode esquecer de que a complexidade é oportunista e de difícil erradicação.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 07/11/2011
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