Na mitologia grega, conta-se a história de Procrusto, famoso ladrão que além de surrupiar os transeuntes que passavam em seu território, submetia-os a um tratamento cruel e degradante: a necessidade de enquadrá-los em um leito de ferro, cortando-lhes a cabeça ou as pernas, acaso ultrapassassem a cama. A lenda de Procrusto é uma metáfora sobre a tentativa de padronização, ainda que lastreada apenas em artimanhas e em sortilégios.
E aqui estamos, em pleno século XXI, vivenciando as agruras da intolerância e da heteroidentificação pretendida por meio dos Tribunais Raciais. De composição secreta e com base em místicos critérios, são as “Comissões Raciais” quem vão estabelecer os rótulos identitários que irão acompanhar os candidatos às cotas raciais pelo resto de suas vidas.
Alguém poderia me ensinar qual é o limite exato entre um pardo e um branco no Brasil? Será que preciso andar com uma cartela de cores igual à das lojas de pintura para que esta definição seja precisa e possa fazer algum sentido? Em um país miscigenado desde a colonização, como o Brasil, a definição da mestiçagem revela-se completa loteria. Somos ao cabo todos mestiços e o que dantes era motivo de orgulho, momentaneamente parece ser a grande chaga e a prova do racismo no Brasil: a dificuldade de encaixar-se em meio às pretensas categorias raciais. Não por acaso, na única pesquisa de amostragem em que o entrevistado foi livre para dizer à que cor pertencia, o resultado em terras tupiniquins foram impressionantes 135 possibilidades, em uma mostra criativa que nem o Aurélio é capaz de reproduzir.
Esta exposição se torna melancólica em relação ao nosso país quando se percebe que se a Corte Constitucional conceder o beneplácito à instituição das políticas de cotas raciais em Universidades, como é o caso hoje em julgamento, paulatinamente as cotas raciais serão estabelecidas em todos os setores sociais, como pretendido pela Secretaria de Igualdade Racial, beneficiando tão-somente uma casta de privilegidos de classe média e alta de negros que não seriam os mais necessitados da ajuda estatal. Consta do ideário de pleitos da referida Secretaria do Racismo Institucional a instituição de cotas raciais em partidos políticos, no mercado de trabalho, na publicidade e na propaganda, além de atendimento diferenciado no Sistema Único de Saúde e do estabelecimento de indenizações para cada descendente de escravo (?) no Brasil.
Em vez de observarmos o Brasil como exemplo para o mundo do século XXI, a partir do convívio harmônico entre brasileiros natos e imigrantes das mais diferentes culturas, religiões e cores, ativo absolutamente estratégico nesse século de tantos conflitos, pretende-se promover o dissenso e a divisão de nossa unidade nacional. As tentativas de racialização e de imposição de categorias estanques colocam em risco justamente o que temos de diferente – e de melhor – em relação aos outros países.
Nós não precisamos copiar um modelo que foi pensado para resolver o problema do racismo institucionalizado e praticado em outros países. Podemos ser criativos e elaborarmos um modelo próprio de ação afirmativa para a necessária integração dos negros carentes no Brasil. Cotas sociais, sim! Cotas raciais, não! Porque a pobreza, no Brasil, é a grande causa da segregação.
Achei interessante o texto, discordo apenas quanto à referência mitológica por entendê-la excessivamente forte e desnecessária, comparável facilmente a muitos dos castigos sofridos em inúmeras senzalas espalhadas por nosso país.
Estaria o Estado surrupiando o direito dos outros e estabelecendo um tratamento cruel e degradante ao estabelecer as cotas?
Sou advogado, formado pela UERJ, negro e não-cotista. Fui o único negro a ser aprovado em meu vestibular e o único da turma ao longo de 5 anos.
Estava cursando a faculdade quando as cotas foram implantadas e confesso que, mesmo contrário a tal instituto, por entendê-lo paliativo e assistencialista, fiquei intimamente feliz ao ver outros negros usufruindo de tal ensino. Poucos podem relatar sobre a estranheza de ser o único representante de um grupo, mesmo quando cercado de amigos.
Reitero que não sou partidário das cotas, mas, ainda assim, acredito ser melhor do que o vazio, a sorte e o nada…
se as cotas forem consideradas constitucionais sera aberto um precedente para outras formas de adoçao deste tipo de politica, no mercado de trabalho, na saude, enfim, há muitos projetos neste sentido, o que me parece uma tragédia, uma divisao do país
A articulista foi precisa em expor o quanto a adoção desse modelo importado é equivocada. Mas, infelizmente, parece que o STF caminha para confirmar a constitucionalidade das ‘cotas raciais’. Eu, como leigo, não ouso palpitar sobre a constitucionalidade ou não desse modelo. Mas corroboro a percepção de que se trata de uma medida fútil, senão inconveniente, em termos de promover justiça social no Brasil, dentro da linha de raciocínio exposta no artigo.
Em vez de facilitar o ingresso no Ensino Superior para uma pequena parcela da população “não branca” (e que não garante o bom aproveitamento acadêmico dos estudantes ingressos por meio das cotas raciais), o Governo deveria é investir em mais e melhor Ensino fundamental, médio e profissionalizante para toda a sociedade brasileira, seja qual for sua etnia! Menos privilégios para alguns poucos, e mais direitos para todos!
É isso aí. Penso da mesma forma. Parabéns pelo texto Roberta.
Que os nossos Juízes tenham juízo!
Vejo por outro lado e defendo que as cotas deveriam ser sociais no lugar de raciais. Do jeito que estão colocando, parece que o aluno não entra porque é negro; na verdade, não entra porque é pobre, porque veio de uma escola fundamental ruim, que não reprova, que ensina “nós pega o peixe”.
O aluno branco nessas condições também não entraria.
É fato que, por questões históricas, a grande parte dos afrodescendentes está nas camadas mais baixas, infelizmente. Mesmo assim, a grande segregação, cruel (e que não é da sociedade e sim do governo) é a social.
Ademais, ao cotista social deveria ser obrigatório um pré-vestibular social, porque um aluno que passou, porque “basta não zerar”, sinceramante, é pouco provável terminar uma universidade.
Parabéns pelo texto. Tenho acompanhado as novidades publicadas no seu Blog, que seguidamente consulto. Ao assistir o voto do relator, Ministro Lewandovski, favorável às cotas, já vi como a banda vai tocar. O Ministro Aires Brito já se manifestou em outras oportunidades favorável ao sistema de cotas. O Ministro Joaquim Barbosa é favorável, tendo até publicações sobre a adoção de “ações afirmativas” para os negros, além de parecer um revoltado com a própria cor, ao acusar o ministro César Peluso de “racista”. A expectativa é de que teremos a segregação racial por decreto e com a anuência do STF. Lamentável é a vigarice intelectual de manipular as estatísticas, para justificar ações afirmativas. Segundo o último censo, aproximadamente 7% da população é composta de pretos (sinônimo de negros, segundo o Caldas Aulete). Destes em torno de 6% cursam a universidade, o que é proporcional ao grupo populacional. O PT juntou os 40% de pardos aos negros sem considerar a porcentagem universitária.
Para saber o limite exato entre um pardo e um branco no Brasil basta perguntar a um policial em uma blitz. O primeiro a quem ele pedirá os documentos é o pardo.
É pessoal,há esperança venceu o medo. Se caso o debate fosse mais claro e menos alarmistas talvez chagariamos em denominador comum. Infelizmente optaram por fazae terror por um fato que não tinha tanta necessidade. Concordo quem seja contrários as cotas,porém,não concordava com os comentários bizarros que li durante todos esses anos.
Valeu ZUMBI!!
Sra.Roberta,justiça foi feita.
Concordo, com quase tudo. Pois sempre que abrimos mão de algo em nosso discurso, é exatamente por essa brecha que futuramente teremos de aturar novas incoerências. Porque as cotas de forma geral, independente se por raça ou condição social, escondem o fato que o ensino básico de primeiro e segundo grau no Brasil é precário e tem sempre péssimas avaliações quando comparado internacionalmente. Portanto, o verdadeiro problema não esta na entrada da universidade, mas muito antes, em todo acesso ao ensino, onde muitas pessoas ainda jogam esse papel demasiadamente no poder público, sendo este a entidade falha em resolver essa situação, e a mesma a limpar esse problema para baixo do tapete através da distribuição de cotas. Uma restruturação do ensino básico e fundamental é mais do que necessária, incluindo uma sistemática entre o setor público e privado, para incluir o maior número de pessoas numa aprendizagem de qualidade, e dessa forma dar verdadeira condições para as pessoas independente
de sua raça, cor ou condição social. O foco real do assunto esta desviado pelas cotas, que nada mais é que uma política imediatista e populista que não resolve em nada o verdadeiro problema.
Votarei no DEM por causa disso!
Esse sistema de cotas tá parecendo o sistema que Hitler usava para dizer quem era “ariano” ou não. Os caras estão invertendo as coisas
Bom dia
Roberta Fragoso Kaufmann,
Primeiramente gostaria de dizer que vc é linda , uma das mais lindas mulheres que eu já tive o prazer de ver.
Sobre suas opiniões sobre as cotas e sobre o racismo, são muito boas , mas em minha visão élas estão sendo vistas pelo lado que não quer a ascensão dos negros no Brasil.
Dizer que não existe racismo no Brasil é muito facil quando a população se acostumou que a maioria dos presos são Pretos, a marioria dos minimosassalariados são negros , a maiorria dos moradores da periferia são negros, os que mais morren em confronto com a PM são negros.
A população se acostumou que o lugar do negro é servindo e quando o governo decide abrir uma porta maior para as pessoas com mais dificuldades , a casa grande se manifesta contraria.
Na pagina de Articulistas e especialistas do instituto milleniun com quase 200 integrantes , não vi um unico negro.
Porque ?
Pesquisei sobre a tal comissão racial. Ela tem representantes de movimentos de direitos dos “negros”, etc.
Uso aspas porque não sei, nem eles, o que é um “negro” e o que não é, exatamente.
Vale a auto-definição.
Uma garota (“parda”) foi excluída das cotas porque ousou afirmar na entrevista que não se sentia discriminada. A tal comissão decretou que, POR ISSO, ela não se via como negra.
É o cúmulo do vitimismo.
Tem que ser filiado ao “sindicato das vítimas” pra ter direito à cota.
Fica a dica. Quem quiser entrar na cota, que conte uma historinha triste na entrevista, senão não entra.
Na UNB, dois irmaos gemeos univitelinos, um aceito como cotista e outro não. O mesmo DNA nos dois.
Pesquisando mais, descobri que “negro” se referia a escravo, e “pardo” se referia a negro alforriado.
Era, então, uma definição precisa: ou se era oficialmente livre, ou não.
Desafio qualquer um a definir “negro” hoje.
O filho do “branco” pobre tem cota? O filho do “negro” rico tem?
Porque não tem um negro na lista de especialistas deste Instituto??
Professora,
Sou seu fã….
Fui aluno da senhora em 2008 na Escola do MP dos DF.
Estou na PM, e continuo usando do que aprendi sobre questões raciais. Que infelizmente foram mau interpretadas pela sociedade que não entenderam que a Senhora junto com o professor Demétrio Magnoli não são racistas e sim defendem uma questão justa. Como a senhora falou, foi uma decisão estritamente política. Uma “alopoiese” sistêmica.
Um grande abraço.
Cotas, nunca! Educação, sim. Corrupção, não! Vergonha na cara, sim. Estado, não! Responsabilidade e iniciativa individual, sim.