É fácil falar em novo pacto federativo, mas é quase impossível torná-lo viável. A ideia, defendida por muitos, é descentralizar competências e receitas. Diz-se que a União concentra excessivamente os recursos e que estados e municípios poderiam gerir melhor os recursos e bem atender os interesses dos cidadãos, por estarem mais perto deles. Não é bem assim.
Com efeito, a beleza da afirmação não resiste ao exame cuidadoso da estrutura da despesa federal. Em 2016, a União arrecadou 21% do PIB. As despesas obrigatórias alcançaram 20,4% do PIB: 8,1% com o INSS; 4,1% com a folha de pessoal; 3,1% com outras despesas mandatórias; e 5,1% com juros da dívida. Assim, 97,2% das receitas são incomprimíveis. Restam 2,8% para cobrir investimentos e despesas correntes do governo federal.
Não há, a pois, o que transferir para governos subnacionais. De fato, é impossível deixar a cargo deles parte das aposentadorias do INSS ou da dívida pública, bem como lhes transferir parcela do funcionalismo. Em resumo, novo pacto federativo é sonho.
Pior, para estados e municípios, pacto federativo é transferir receitas da União sem a correspondente transferência de responsabilidades. Tem sido assim desde 1988. Grande parte da elevação da carga tributária se deve a isso. A União teve que recompor suas receitas com elevação da carga tributária e não pôde fugir dos maus tributos. Consequência: queda da eficiência, da produtividade e do potencial de crescimento do país.
Ao contrário do que se imagina, estados e municípios não costumam usar os recursos de forma melhor do que o governo federal. A parte mais expressiva das transferências se transformou em gastos de pessoal. Os ganhadores foram os funcionários públicos.
Quer outro exemplo? O jornal “Valor” de ontem informou que nove estados e sete municípios desviaram recursos de seus fundos previdenciários para pagar despesas correntes. Minas Gerais praticamente extinguiu seu fundo previdenciário, do qual sacou R$ 3 bilhões. Como pagar as aposentadorias futuras dos servidores?
Não se pode, pois, falar em novo pacto federativo e descentralização sem examinar detidamente a estrutura das despesas federais e a realidade brasileira. É verdade que a União centraliza a maior parte da arrecadação, mas isso se deve à criação, ao longo do tempo, de despesas obrigatórias, as quais, se não fossem financiadas com receitas tributárias ou dívida pública, o seriam pela forma mais perversa, a inflação.
Infelizmente, estados e municípios, com as exceções de praxe, costumam ser fiscalmente irresponsáveis. Descentralizar sem levar em conta as particulares circunstâncias, particularmente a cultura do setor público, é o caminho mais curto para o desastre.
Fonte: “Veja”, 23/06/2017.
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