A decisão do governo em incentivar alguns setores com menores impostos, como forma de estimular a economia e evitar o contágio com a crise mundial e a conseqüente queda do consumo, não ajuda o país. Ao contrário, desestrutura os segmentos e cria, no médio e longo prazos, mais problemas que soluções. O caso dos carros é clássico. Neste momento em que o imposto sobre produtos industrializados é menor para os carros zero quilômetro, estabeleceu-se no mercado em geral que as milhares de lojas que revendem automóveis usados estão fadadas a perder dinheiro e a baixar as portas, com grande desemprego.
É que o efeito mais direto é a falta de relatividade entre preços. Se um carro zero custava R$ 30 mil reais e o com um ano de uso R$ 24 mil, hoje essa diferença passou de R$ 6 mil para apenas R$ 2 mil. O resultado é que ninguém quer mais carros semi-novos e preferem um zero com financiamento a perder de vista. Há em São Paulo inúmeras agências de carros usados sendo fechadas ou demitindo, ou atuando no vermelho na expectativa de que no final do ano essa medida do IPI cesse e haja a volta de normalidade no mercado, estabelecendo-se a paridade real entre um veículo novo e um semi-novo.
Esse efeito acaba incorrendo sobre todos os segmentos nos quais vigora esse incentivo fiscal. Eletrodomésticos, materiais de construção etc. Neste momento, mesmo com a economia desaquecida, não se encontra mão-de-obra para consertos, obras completas ou reformas. Ou, pior: os preços por esses serviços passaram a ser absurdamente irreais. Se era essa a intenção do governo, o êxito é completo.
Essas distorções pioram numa avaliação macroeconômica quando analisamos a situação por outro ângulo: o que determina que este ou aquele setor sejam contemplados com incentivos em detrimento de outros? Sim, quando o governo pega a cadeia de montadoras ou de fabricantes e vendedores de pisos, móveis ou geladeiras e os contempla com uma carga tributária desigual em relação aos demais segmentos da economia, está praticamente escolhendo quem deve ir bem e quem deve ir mal em termos de desempenho.
Isso cria distorções que levam anos para se corrigir. Os preços relativos, que determinam, por exemplo, quantas caixas de fósforo são suficientes para a compra de uma fechadura, caem por terra. Essa relação deve sempre ser fixada ao longo dos anos, ao longo das relações comerciais de compra e venda, da oferta e demanda, e vão dando a paridade exata às coisas de modo a sabermos mais ou menos quanto custa determinada coisa. Com isso podemos aferir se algo está na média ou muito acima do que pode valer.
Essa situação levará, tenham certeza, anos para serem corrigidas. Não seria mais conveniente promover uma queda horizontal sobre as alíquotas, ou melhor, promover uma ampla reforma tributária que simplifique e faça cair a atual carga sobre trabalhadores e setores produtivos?
O governo deveria usar como parâmetro o que está acontecendo na taxa básica de juro. A taxa cai não para o setor de automóveis zero, mas para todos os segmentos. Do dono do supermercado à costureira, todos os brasileiros se beneficiam. Essa política de redução do juros é isonômica e de fato regula a economia como um todo. O mesmo se poderia fazer em relação à carga tributária.
De que adianta assegurar o emprego do soldador no ABC ou em Rezende se promover a demissão na grande maioria dos segmentos da economia? Esse é um princípio antiquado, fora de moda, de que segmentos que mais empregam podem alavancar os demais, inundando-os de recursos, aumentando a liquidez geral, por toda a economia. Pois saibam que essa irrigação de recursos se interrompe na mesma medida em que se ampliam os medos das pessoas em relação ao futuro. O cidadão para consumir precisa, primeiro, ter a certeza de que está em meio a uma política geral equânime, inerente a todos. Precisa ter a certeza de que ao comprar algo está fazendo exatamente como seu vizinho. Se apenas uma das pontas se mostra com poder de compra, algo está errado e alguém nessa relação sairá perdendo.
Esses desequilíbrios, promovidos todas as vezes nas quais a economia ameaça arrefecer o ritmo de crescimento, deveriam ser melhor mensurados e evitados. Do contrário, estaremos, gradativamente, desestruturando a economia e causando distorções difíceis de serem corrigidas no médio e longo prazos e com efeitos sobre os níveis de ocupação muito maior que o desejado pelo governo.
Corretíssimo. Concordo plenamente.
A liberdade econômica é fundamental para a nossa economia e proteger e privilegiar somente alguns setores não é tecnicamente correto, muito menos justo.
Não sei como medir os resultados e compará-los com esta ação pontual, mas fomentar o empreendedorismo para criação de micros e pequenas empresas em todos os setores deve gerar resultados similares e com a grande vantagem dos efeitos perpetuarem e crescerem no longo prazo. Mais justo e democrático.
Nesta linha, o chamado “Simples Nacional” demanda urgente revisão. O empresário que trabalhar honestamente passa anos pagando valores maiores do imposto comparativamente aos resultados do negócio. Pior, mesmo dando prejuízo (comum nos primeiros meses) está obrigado a recolhê-los (a base para o cálculo é o faturamento e não o lucro). Não gera valor para novos investimentos, inibe a contratação de funcionários ou melhoria dos salários.