Há quem acredite que a Fundação Cacique Cobra Coral possa interferir nas condições climáticas, o que justificaria um contrato da entidade com a prefeitura do Rio. Se a fé move montanhas, como diz o provérbio, pode também evitar tempestades.
Mas, para realmente se enfrentar as enchentes e calamidades que têm ocorrido em várias cidades do Rio e de São Paulo, não basta apenas a crença. Entra ano, sai ano, os desastres se repetem. Os governantes consideram os fatos meras fatalidades, como se nenhuma culpa lhes coubesse.
Na maioria dos casos, no entanto, a natureza anda de mãos dadas com a falta de planejamento, o improviso e a incompetência do Estado, nos níveis municipal, estadual e federal.
Em 2009, só o orçamento da União tinha dotação de R$ 646,6 milhões no programa de prevenção e preparação para desastres. Apenas R$ 143,7 milhões, ou 22% do valor previsto, foram pagos pelo Ministério da Integração Nacional, encarregado de atuar na defesa civil. O uso de pequena parcela do orçamento autorizado não foi, entretanto, o absurdo maior. Do valor pago, 48% foram destinados a municípios da Bahia, por coincidência o estado onde o ministro Geddel Vieira Lima é précandidato ao governo nas próximas eleições. Enquanto 58 cidades baianas foram contempladas, apenas cinco prefeituras do Rio de Janeiro (Angra dos Reis, Campos dos Goytacazes, Niterói, Resende e Rio de Janeiro) receberam recursos desse programa, via transferências a órgãos municipais.
É possível que a Bahia necessite, de fato, dessa verba. Mas existirá justificativa plausível para que os municípios baianos tenham recebido R$ 69,4 milhões, dez vezes mais do que todas as cidades do Rio e de São Paulo juntas (R$ 6,6 milhões)? Na dúvida, a organização não governamental Associação Contas Abertas, que acompanha a execução orçamentária do governo federal, submeteu esses números ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União. O ministro deverá explicar o porquê dessa estranha repartição. Afinal, os recursos públicos têm que estar associados aos interesses da sociedade e não às conveniências políticas, partidárias e pessoais.
Paralelamente, vimos que R$ 1,3 bilhão foi pago no programa resposta aos desastres, ou seja, quase dez vezes mais do que os valores aplicados na prevenção. Resumo da ópera: depois da casa assaltada, providenciase a tranca. A história nós conhecemos.
Após a tragédia, os políticos sobrevoam de helicóptero as áreas atingidas, oferecem solidariedade às famílias, declaram estado de calamidade e prometem verbas.
Para as autoridades, no ditado às avessas, é melhor remediar do que prevenir.
É evidente que não se pode culpar apenas o governo federal pelas tragédias. Ao contrário, cabe ao poder municipal impedir as ocupações desordenadas e as construções em encostas, várzeas e margens de rios. Compete à União e aos estados auxiliarem as cidades com recursos técnicos e financeiros, assessorandoas sobre os impactos das mudanças climáticas e o mapeamento das áreas de risco.
É pouco provável que a prefeitura de Angra dos Reis, por exemplo, tenha entre os seus funcionários diversos geólogos e verbas suficientes para a contenção de encostas, drenagem superficial e subterrânea, entre outras obras necessárias e onerosas para minimizar o perigo na região. Assim, se não houver plena integração entre a União, os estados e os municípios, a história tende a se repetir. Felizmente o PAC 2 prevê R$ 11 bilhões, a serem aplicados até 2014, para prevenção em áreas de risco.
Resta saber se o dinheiro será utilizado sem que a metade vá para um único estado.
Na origem do problema está a questão habitacional. Por muitos anos o financiamento da casa própria atendeu somente as classes mais favorecidas. Com a inflação e os juros elevados, a correção das prestações superava os reajustes salariais, inibindo a busca por financiamentos.
Desta forma, surgiram as ocupações precárias e as invasões, sob a vista grossa das autoridades públicas. A carência de moradias a preços viáveis para cerca de oito milhões de famílias brasileiras tem sido responsável, em grande parte, pelos desastres ambientais urbanos. É bem-vindo, portanto, o programa federal Minha Casa, Minha Vida, que está oferecendo subsídios às famílias de baixa renda para a aquisição de imóveis próprios.
De qualquer forma, até que a moradia segura chegue a todos os brasileiros e isso pode demorar , não podemos nos conformar com a perda de tantas vidas a cada verão. A permanecer o descaso público com a prevenção, teremos que continuar apelando aos médiuns, rezando para que os espíritos sejam mais eficientes que os políticos.
Fonte: Jornal “O Globo” – 30/03/10
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