O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Piauí tem ficado consistentemente entre os piores do Brasil, na 24ª ou 25ª posição da lista de estados da federação, patamar pouco acima de países como Vietnã, Quirguistão ou Bolívia, abaixo de Equador, Tailândia ou Argélia.
Isso não impediu que o governador do PIauí, o petista Wellington Dias, candidato à reeleição, fosse incensado no Twitter como responsável por um retumbante progresso no IDH de seu estado, pela expansão da rede de fibra óptica e por outras pretensas façanhas atribuídas a sua gestão.
Ao longo do fim de semana, vieram à tona centenas de denúncias de que os posts favoráveis a Dias, assim como outros proclamando as virtudes dos petistas Gleisi Hoffmann e Luiz Marinho, também candidatos, não passavam de propaganda disfarçada, promovida por perfis tidos como “influenciadores”, ou melhor, “influencers”.
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É relativamente simples imaginar em que consiste a atividade de um cirurgião, carpinteiro ou mecânico, até mesmo a de um jornalista. Mas qual o trabalho de um “influencer”? Em que exatamente consiste essa atividade profissional a que tantos parecem almejar neste país de 13 milhões de desempregados?
Pelas informações que circulam – e elas são vagas o bastante para que cada um defina o termo como julgar melhor –, o cidadão adquire alguma credibilidade diante do público interessado num deteminado assunto, arrebanha legiões de seguidores, depois ganha dinheiro vendendo menções a produtos ou serviços relacionados à área sobre a qual afirma manter a tal influência.
Trata-se de uma versão digital da prática outrora conhecida, também em inglês, como “merchandising” ou, em sua versão pejorativa aqui no Brasil, como “jabaculê” ou “jabá” . Em princípio, pode ser um trabalho honesto, desde que transparente. É preciso ficar claro para a audiência que aquilo é propaganda e, se quem faz o “merchan” não julga que isso prejudica sua credibilidade, bem, isso é problema dele, certo?
Em termos. Tudo depende do contexto. O merchandising é legítimo em conteúdos ligados a entretenimento, como novelas ou mesmo programas esportivos. Uma das cenas mais belas do cinema, o final de Radio Days, de Woody Allen, é uma propaganda de cigarro.
Mas a propaganda disfarçada é inaceitável num ambiente de jornalismo, por definição comprometido com a verdade dos fatos, em que a independência das partes interessadas na informação é crucial para a credibilidade. No caso da política, não se trata apenas de discussão ética. A prática é ilegal, proibida expressamente pela legislação eleitoral.
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Se ficar comprovado que os “influencers” de esquerda receberam mesmo até R$ 2 mil para fazer propaganda para candidatos petistas, terão cometido crime. Quem financia ou faz esse tipo de propaganda nas redes sociais viola a lei e está sujeito a multas superiores a R$ 30 mil.
O único tipo de propaganda permitido nas redes sociais é conhecido por outra palavra enigmática: “impulsionamento”. Candidatos podem pagar à própria rede para veicular anúncios, desde que fique claro que se trata de propaganda, com identificação de quem pagou até mesmo por meio do CNPJ. Isso é o que diz a lei.
Na realidade, qualquer um que passe algum tempo nessas redes convive com todo tipo de propaganda disfarçada, conteúdos de origem duvidosa, a serviço sabe-se-lá de qual motivação. Para não falar em robôs, notícias falsas e militantes que, protegidos pelo teclado e quase sempre pelo anonimato, se põem a xingar, agredir e bradar com uma valentia que jamais demonstrariam cara a cara.
Twitter e Facebook se mostram desorientados diante do desafio de disciplinar e civilizar esse ambiente de balbúrdia e desinformação. Depois que o escândalo Cambridge Analytica revelou como tais redes foram usadas ilegalmente para influenciar o resultado de votações no Reino Unido e nos Estados Unidos, ambas as empresas adotaram uma postura de guardiãs dos bons modos.
O Facebook tirou do ar milhares de perfis falsos e sites disseminadores de mentiras e teorias da conspiração, como o Infowars, do pseudo-jornalista Alex Jones. O Twitter também promoveu uma devassa em seus usuários. No Brasil, foi acusado de tirar do ar dezenas de perfis identificados com a direita, em especial à candidatura do deputado Jair Bolsonaro.
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Na semana passada, houve uma revoada de brasileiros para uma rede social alternativa chamada Gab, destaque na internet paralela que deve seu sucesso à proteção absoluta do direito à livre expressão de racistas, supremacistas, neonazistas, antissemitas, teóricos da conspiração, traficantes ou terroristas. A Gab até usa, como logotipo, um sapo parecido com o personagem-símbolo da “alt-right”, a direita racista americana.
Ao perceber que lá não existe ninguém mais a convencer de suas ideias, provável que todos queiram voltar para Facebook, Twitter e redes mais diversas e heterogêneas.
Do ponto de vista legal, as redes sociais têm o direito de impôr a disciplina que quiserem por meio de seus termos de serviço, de diminuir a exposição ou encerrar as contas daqueles que os violarem.
Do ponto de vista político, a questão é bem mais complexa. Como a imprensa, elas prestam um serviço público. Regras de convívio são necessárias. Mas o risco é a reação passar do ponto, e ambientes conhecidos pela abertura se transformarem em terrenos sob vigilância, onde qualquer perfil pode sumir do dia para a noite, sem critérios definidos e processos transparentes que resistam às contestações na Justiça e às inevitáveis acusações de manipulação política.
Conciliar o direito à livre expressão, o respeito às divergências e evitar propagandas enganosas, difamatórias ou flagrantemente ilegais não é um desafio trivial. A desorientação das empresas do Vale do Silício diante dele é patente. O caso que veio à tona no fim de semana demonstra como elas ainda favorecem criminosos ou espertalhões.
Fonte: “G1”, 27/08/2018