O governo enviou três PECs (Propostas de Emenda Constitucional). Tantas medidas demandarão tempo para que eu consiga digerir. Mas já é possível compartilhar com o leitor as minhas primeiras reações.
A medida inicial é emblemática e, penso eu, muito importante. O artigo 6º da Constituição estabelece que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. A PEC estabelece que “será observado, na promoção dos direitos sociais, o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”.
Nossa Constituição ficou desequilibrada. Deu muito peso ao presente e ao passado e pouco peso ao futuro: somos o segundo país que mais gasta com aposentadorias do mundo, após controlarmos pela demografia; gastamos pouco com a infância; e, apesar de termos umas das maiores cargas tributárias entre os emergentes, investimos muito pouco. O novo texto visa o reequilíbrio.
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Entre muitas medidas, a PEC promove a harmonização para toda a Federação dos critérios contábeis: gastos com pessoal e superávit primário, por exemplo, terão que ser contabilizados da mesma forma em todas as unidades federadas.
A harmonização é urgente.
Um segundo conjunto de medidas dota o Estado de instrumentos para lidar com situação de desequilíbrio fiscal estrutural, isto é, quando a receita é estruturalmente inferior aos gastos.
Para a União, estabelece que, se o endividamento for superior ao gasto com investimento, não haverá aumento nominal de salários dos servidores, o salário mínimo será reajustado somente pela inflação, não se renovará benefício fiscal e não serão feitos novos concursos, entre outras medidas.
Para estados e municípios, esses gatilhos serão disparados se o gasto corrente atingir 95% da receita corrente líquida.
As medidas constitucionalizam dois instrumentos da LRF que foram rejeitados pelo STF: a possibilidade de redução de jornada de servidores contra redução de salários; e o contingenciamento de recursos dos Poderes e órgãos autônomos —Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria e Tribunais de Contas— sempre que houver frustração de receita. O contingenciamento deixa de ser suportado exclusivamente pelo Poder Executivo.
Há muita “atividade-meio” no Estado brasileiro que pode ser objeto da redução de jornada sem que a qualidade dos serviços públicos seja comprometida. Adicionalmente, o congelamento dos salários permitirá que os salários do setor público, ao menos para os entes da Federação com dificuldades financeiras, se aproximem dos salários do setor privado para as mesmas funções.
As medidas aumentam a flexibilidade dos gestores ao permitir que a vinculação para saúde e educação seja observada conjuntamente: municípios com muito idosos e poucas crianças poderão direcionar mais recursos para a saúde. O inverso para a situação inversa.
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A polêmica medida de incorporação dos municípios menores que 5.000 habitantes, cuja receita própria seja inferior a 10% da receita total, é correta. Poupa-se na manutenção de uma estrutura cara —Assembleias Legislativas e prefeituras— para que sobrem mais recursos para aplicação com atividades-fim: saúde, educação e segurança.
As PECs completam nossas instituições fiscais. Ajustes aqui e acolá são necessários. Mas a direção geral das medidas é correta e urgente.
Muito preocupam as contrarreformas fiscais apontadas por Marcos Mendes em sua coluna deste sábado (9).
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 10/11/2019