A questão das cotas, como toda matéria de alta densidade constitucional, provoca polêmicas e divergências para todos os gostos. Além disso, é uma pauta social que toca no interesse de muitos e, como ano que vem tem eleições, imagino que o governo em breve voltará a fazer carga no argumento, em busca de alguns preciosos dividendos eleitorais. Então, retorno ao tema com vistas a estimular a reflexão sobre tão intrincado assunto. Inicialmente, é oportuno destacar que, através de um orquestrado movimento silencioso, começaram a se abrir divisões entre os brasileiros que, antes de nos unir como nação, simplesmente instauraram um perigoso classicismo político: há aqueles que merecem a atenção do governo e aqueles outros, que por supostos privilégios, merecem a orfandade e o desprezo estatal. O interessante é que os tais privilegiados, além de cidadãos iguais aos outros, são também pagadores de tributos e, mesmo assim, são tratados como insignificantes. Ou seja, existem cidadãos no Brasil que apenas servem para dar dinheiro (tributos) aos governos e, após, sequer recebem um muito obrigado.
Feito o registro, vamos voltar o tema principal. Bem, é sabido que o Supremo Tribunal já decidiu que as políticas de cotas, dentro de uma pauta de redução de desigualdades e injustiças sociais, são possíveis e constitucionais. Nesse contexto, o governo federal vem implementando uma série de medidas destinadas a beneficiar cidadãos brasileiros que foram historicamente desfavorecidos por supostas práticas discriminatórias de qualquer espécie ou natureza. Ocorre que novos grupos começam a se movimentar na expectativa de fazer valer os direitos fundamentais traçados na Constituição. E, pelo visto, o movimento vem para ficar.
Especificamente, o “Paty Brazil”, movimento que representa as patricinhas brasileiras, não mais suporta ter que aguentar condutas discriminatórias que as tachem de loiras, burras, fúteis e vazias. No entender da diretora executiva do festejado e elegante grupo social, é inaceitável que as patricinhas persistam sendo vistas e perseguidas com desprezo, tratadas como bonecas de luxo ou simples instrumentos acéfalos do mercado de consumo. Sustentam que tais práticas discriminatórias, além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, violam, de forma frontal e objetiva, a regra do art. 3º, inciso V, da Constituição Federal que estabelece, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o de promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Como se vê, as patricinhas, além de fazer as unhas e chapinha no cabelo, também leram a Constituição. Diz uma das loirinhas do grupo com certo tom de indignação: “Te veste de patricinha e vai pra rua? É pura discriminação!” As moreninhas, uma delas, friso, bem interessante, são enfáticas em ratificar o afirmado. Se o governo for coerente, terá que dar cotas para todos os grupos sociais que se julguem discriminados. É, sem dúvida, razoável o argumento de que, se há discriminação contra os cidadãos negros, também há contra as patricinhas cidadãs. Assim sendo, se há cotas para alguns, é natural que outros se sintam no direito de fazer o mesmo pleito. Falando nisso, será que os filhos da “elite branca” não poderão alegar que também estão cansados de serem insistentemente ofendidos e discriminados pela cegueira ideológica reinante, sendo igualmente merecedores de cotas sociais?
Enfim, o problema está criado. Naturalmente, o “Paty Brazil” não existe, mas a inconstitucionalidade do populismo demagógico veio para ficar. Para resolver os graves problemas sociais que nos assolam, ao invés de pautas divorcistas, precisamos de políticas públicas que unam os brasileiros em torno dos altos ideais da nação. Precisamos, definitivamente, nos olhar como iguais, estimular o querer bem e propor pautas de respeito recíproco. Precisamos, portanto, de escolas públicas de qualidade que juntem pobres e ricos em um plural ambiente de profusão da cultura e do saber. Aliás, precisamos aprender com a inteligência que é inteligente justamente por ser livre, não ter ódio nem classe social. Daí o porquê do governo preferir investir na burrice coletiva e no ódio classista. Já imaginaram o problemão que um povo livre, unido e inteligente representaria para uma governo corrupto, medíocre e incompetente?
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