Tenho quase 32 anos de economista. Ao longo de toda a minha vida profissional, dediquei-me à macroeconomia. Por outro lado, nasci no Rio e vivo aqui. Tendo tido o privilégio de coordenar dois livros sobre o Rio de Janeiro, com um conjunto de 35 capítulos, escritos pelos mais diversos especialistas, aprendi muito sobre o tema. Por isso, nos próximos 12 meses, vou deixar a macroeconomia de lado e, dado o fato de que estamos no caminho das Olimpíadas, escreverei um artigo mensal sobre um conjunto de temas que afetam a cidade. Não me considero um especialista no tema. O que sei aprendi com meus mestres Maria Sílvia Bastos Marques, Mauro Osório, Sérgio Besserman Vianna, Sérgio Guimarães Ferreira, Sérgio Magalhães e outros craques. A circunstância de ter organizado esses livros, o fato de ter rodado pelo mundo e a capacidade de ligar diferentes coisas que se aprende lidando com a economia, porém, me dão certa permissão para me lançar nesta aventura.
Há anos, recebi este e-mail de um amigo que tinha acabado de retornar da Índia: “É verdade que a Índia é uma bagunça. A infraestrutura urbana é frágil. Há lixo na rua em quase todos os cantos, calçadas são ficção, a luz falha volta e meia, esgoto a céu aberto é regra, os ônibus são da década de 50, o trânsito é caótico, as ruas são mal asfaltadas etc. Porém, os investimentos estão acontecendo em tudo quanto é lugar. É evidente a olho nu. Tanto o governo como o setor privado parecem estar em ebulição. E não há melhor sinal disso do que os aeroportos. O de Bangalore foi concedido alguns anos atrás. Um consórcio estrangeiro desenhou, construiu e está operando um terminal que é 20 vezes melhor que qualquer um do Brasil. Grande, limpo, com bom atendimento, boa sinalização e seguro. E Bangalore é apenas a quinta região metropolitana da Índia! Já quando cheguei para embarcar no aeroporto de Déli, que maravilha! Gigantesco, moderno, bonito, espaçoso ao extremo, dimensionado para futuras expansões etc. Com todos os problemas — muitos parecidos com os do Brasil —, a Índia construiu belíssimos aeroportos num período em que sequer conseguimos reformar os nossos. É um país que acordou da sua letargia e está se mexendo com vigor, velocidade e ambição, enquanto a gente se satisfaz com muito pouco. Depois, ao voltar ao Brasil, me deparei com as mesmas questões de sempre: um aeroporto deprimente, meia hora para desembarcar, uma hora para esperar as malas na esteira etc. Quanto contraste. Que vergonha!”
[su_quote]A gente se indigna com o turismo sexual: queremos receber turistas mais nobres — nada mais natural. Porém, temos que nos perguntar: que cidade queremos? [/su_quote]
A frase se refere aos aeroportos e reflete um desânimo com o país, mas ela é útil para uma reflexão sobre a cidade. Que Rio aspiramos a ter? A gente se indigna com o turismo sexual: queremos receber turistas mais nobres — nada mais natural. Porém, temos que nos perguntar: que cidade queremos? James Robinson, coautor de “Por que as Nações fracassam” junto com Daron Acemoglu, diz que “a coisa mais importante que uma economia precisa para ter sucesso economicamente é impulsionar as habilidades, os talentos e o potencial de seus cidadãos”. Estamos fazendo isso bem, neste nosso canto do mundo em que vivemos?
Nesse conjunto de encontros, pretendo abordar alguns dos assuntos em que precisamos pensar. Não é uma lista exaustiva e certamente ficarão de fora muitos assuntos. É apenas um conjunto de temas relevantes e sobre os quais eu posso ter alguma opinião. Nos próximos meses, pretendo abordar neste espaço os seguintes pontos: 1) a complacência com a desordem; 2) a ausência de uma cultura de excelência; 3) a precariedade da qualidade de nossos serviços; 4) algumas questões de governança; 5) a questão do policiamento; 6) a importância das manifestações culturais; 7) a necessidade de dar continuidade às excelentes iniciativas educacionais recentes nas alçadas estadual e municipal; 8) o caráter crucial da educação financeira; 9) a relevância fundamental do domínio de inglês no mundo atual; 10) o tema da mobilidade urbana; 11) o contraste entre o poder de clubes poderosos (Real Madri, Barcelona) associados a cidades e a penúria dos nossos outrora “quatro grandes”; e 12) as tendências demográficas e seu impacto sobre a geografia humana da cidade. Irei compartilhar essas reflexões com os leitores. O tempo dirá se terei sido bem-sucedido.
Fonte: O Globo, 11/5/2015
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