Depois da disparada do dólar nas últimas semanas, quando veio de R$ 2,25 para R$ 2,45, o Banco Central anunciou um forte programa de intervenção por meio de dois mecanismos. Quatro vezes por semana oferecerá US$ 500 milhões nos mercados futuros e uma vez por semana oferecerá US$ 1 bilhão no mercado à vista, mas garantindo sua recompra em determinada data, totalizando cerca de US$ 55 bilhões até o fim de 2013.
A questão é saber se esse volume considerável poderá reverter a perda de valor do real, em particular limitando os efeitos que o enfraquecimento da moeda costuma ter sobre a inflação. À primeira vista, a resposta parece ser positiva, visto que, após o anúncio, o dólar voltou ao patamar de R$ 2,35, quebrando a tendência de alta que parecia inexorável.
Eu, contudo, permaneço cético. Mais uma vez, parece-me que as medidas atacam consequências, em vez de causas, embora reconhecendo que, ao menos no que se refere a algumas das causas, há pouco que qualquer governo possa fazer.
Cabe notar, em primeiro lugar, que o enfraquecimento da moeda nacional não é um privilégio brasileiro. De maneira geral, as moedas de países emergentes vêm sofrendo e, em alguns casos (África do Sul, Indonésia e, mais recentemente, a Índia), têm apresentado um desempenho não muito distinto do nosso. Esse padrão sugere uma causa comum, que, como se comenta, é a perspectiva de mudança da política do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA).
De fato, diante de sinais que a recuperação da economia norte-americana parece finalmente estar se firmando, o principal tema de discussão no Federal Reserve se refere à sequência de retirada dos estímulos monetários adotados desde o início da crise, começando pela redução do ritmo de compras de títulos (ainda um aumento na quantidade de dólares despejadas no sistema financeiro, embora a uma velocidade menor), passando pelo fim dessa política e culminando com o aumento das taxas de juros, medida que provavelmente só será adotada no final de 2014, se não mais tarde.
Ainda que o aperto monetário só se dê em futuro não tão próximo, é da natureza dos mercados financeiros reagir imediatamente a notícias novas, e a perspectiva de aumento de juros nos Estados Unidos levou a um fortalecimento global do dólar. Os efeitos sobre cada moeda em particular, porém, não foram simétricos, e o Brasil se encontra entre aqueles que mais reagiram a essa mudança de expectativas.
Parte desse movimento reflete o próprio tamanho do mercado de câmbio nacional, em que atuam praticamente todos os investidores em mercado emergentes, levando a movimentos naturalmente mais rápidos. Isso, porém, não parece esgotar o assunto.
A proximidade do desempenho nacional ao observado em outras economias com vulnerabilidades sugere haver problemas locais que aumentam o efeito da valorização global do dólar.
No caso do Brasil, essas questões abrangem desde o crescente deficit externo até temas como a piora das contas do governo e o baixo crescimento, cujos reflexos aparecem sob a forma de um apetite reduzido por investimentos aqui.
A isso se soma o receio do investidor estrangeiro de ofertar dólares, dadas as frequentes mudanças de regras que prejudicaram vendedores de moeda estrangeira no passado recente. Temos assim uma situação em que o real perde valor, mas não há ofertantes de dólares para quem precisa se proteger da desvalorização. Mais que causa, esse é um sintoma do problema.
As medidas anunciadas ajudam a atenuar o sintoma, mas, a bem da verdade, não tratam das causas globais (nem poderiam), muito menos dos fatores locais que magnificam o efeito internacional.
Nesse aspecto, devem ter algum sucesso para evitar dinâmicas como a das últimas semanas, mas têm pouco poder contra a tendência mais geral de enfraquecimento do real. Tratar desse tema re- quer medidas duras que o governo não parece estar nada disposto a endereçar.
Fonte: Folha de S. Paulo, 28/08/2013
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