Não há sinal, infelizmente, de que o nível da campanha eleitoral deste ano vá melhorar. Ao contrário, o discurso violento se transforma em atos de violência. O episódio dos tiros contra a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a maior prova disso.
Não supreende o salto de um protesto legítimo para a violência. Era comum as manifestações de rua de 2013 derivarem para o quebra-quebra. Um cinegrafista foi assassinado diante das câmaras. Lula foi recebido primeiro com bloqueios de estrada, cartazes, tratores, ovos e tomates. Até os tiros.
Não se sabe, por enquanto, quem disparou contra os ônibus da caravana. Assim como, até agora, não se sabe quem fulminou a vereadora carioca Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. Pouco provável, diante do histórico brasileiro em investigações no gênero, que se venha a saber.
Já se sabe, porém, que estamos diante da campanha mais violenta desde a redemocratização. Isso fica patente nas ameaças recebidas até pelo ministro Edson Fachin, o relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). O descrédito da política faz florescer o radicalismo não apenas no discurso de ódio das redes sociais.
Como explicar o recuo do embate por meio da palavra para atos de barbárie? Que tipo de risco o país corre nos próximos meses, em que a campanha mais polarizada de sua breve história democrática tomará conta das ruas?
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Nenhuma das duas questões tem resposta fácil ou confortável. Há mais motivos para preocupação do que para tranquilidade. As origens da tensão são múltiplas, sem que as autoridades demonstrem a competência necessária para lidar com o desafio.
A primeira delas está na polarização que tomou conta do país, em torno das narrativas heroicas dos dois principais candidatos à presidência: Lula e o deputado Jair Bolsonaro. Partidários de ambos os veem como messias redentores. Há defensores da violência dos dois lados –seja na forma da revolução “agrário-proletário-marxista” para acabar com a injustiça social, seja na forma da população armada para eliminar “bandidos e corruptos”.
Mas a ideia da violência como meio de persuasão política é diferente da violência em si. Falar em matar numa rede social ou num vídeo do YouTube é algo distinto de dar tiros no inimigo. Para dar esse salto, é preciso mais do que apenas uma ideologia polarizada ou uma narrativa derivada do ódio e do ressentimento.
A violência política é resultado de organização. Sua expressão mais comum são os grupos terroristas. Na América Latina, tal ameaça está historicamente mais associada à esquerda do que à direita. Desde a redemocratização, ela arrefeceu no Brasil.
Apesar de todas as menções retóricas aos exércitos de sem-terra, sem-teto ou sem-juízo, as ações promovidas por esses movimentos não se comparam às guerrilhas que se incrustaram em países como Colômbia, Peru, Equador ou México.
A principal organização da violência na sociedade brasileira está nas mãos dos criminosos e traficantes que comandam presídios e se infiltram nas estruturas de poder, como a polícia fluminense. Surgem daí as milícias e grupos armados que aterrorizam o Rio de Janeiro. As dificuldades das enfrentadas pelas Forças Armadas na cidade são um prenúncio de que o quadro ainda pode se agravar.
A sensação de insegurança e de impunidade contribui para criar um clima em que a sociedade deixa de confiar no Estado para cumprir sua missão essencial: manter a lei e a ordem. Ainda que apenas uma minoria exígua decida partir para a violência, isso já é suficiente para gerar um clima de instabilidade institucional.
Brasília, infelizmente, continua alheia às consequências dos próprios atos. Cada novo político libertado pelo STF, cada malandragem dos parlamentares, cada auxílio-moradia mantido lança mais combustível num caldo que pode explodir à menor faísca. O país está fraturado entre duas narrativas concorrentes. Não há uma aproximação mínima entre a classe que comanda Brasília e os anseios da sociedade. O futuro parece a cada dia mais sombrio.
Fonte: “G1”, 29/03/2018